O ministro da Educação, Milton Ribeiro, exonerou um assessor especial que fortalecia o elo entre o MEC (Ministério da Educação) e os pastores que, mesmo sem cargo no governo, atuam na negociação de verbas federais.
A Folha revelou nesta segunda-feira (21) áudio em que o próprio ministro afirma que o governo prioriza prefeituras cujos pedidos de liberação de verba foram negociados pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura.
Ele diz ainda que isso atende a uma solicitação do presidente Jair Bolsonaro (PL) e menciona pedidos de apoio que seriam supostamente direcionados para construção de igrejas.
O assessor especial do gabinete do MEC Odimar Barreto dos Santos teve sua exoneração publicada na sexta-feira (18). O desligamento ocorreu em edição extra do Diário Oficial da União, no mesmo dia em que as primeiras informações sobre a atuação de pastores vieram à tona em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo.
Odimar Barreto também é pastor, além de major da reserva da Polícia Militar de São Paulo. O agora ex-assessor é uma das pessoas de maior confiança do ministro, também ligado como pastor à Igreja Presbiteriana Jardim de Oração, de Santos, liderada por Milton Ribeiro.
Além de se envolver pessoalmente na interlocução com os pastores, o ministro Milton Ribeiro manteve Odimar Barreto nas negociações. Ele transitava no hotel Grand Bittar, em Brasília, onde os pastores Gilmar e Arilton costumavam participar de encontros com prefeitos interessados em liberações de recursos federais para obras de creches, escolas e compra de materiais.
Os recursos são do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão ligado ao MEC controlado por políticos do centrão. O fundo concentra os recursos federais destinados a transferências para municípios.
Prefeitos e assessores relataram à Folha que Odimar Barreto distribuía cartões com logotipo do MEC com contatos pessoais de telefone e email —ao qual a reportagem teve acesso. Aliados do governo davam como certo que Odimar se candidataria nas próximas eleições.
O MEC não respondeu sobre o motivo da exoneração, sobre a atuação dos pastores e sobre o áudio do ministro. Odimar Barreto foi procurado, mas não se manifestou.
Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura têm, ao menos desde janeiro de 2021, negociado com prefeituras a liberação de recursos federais para obras de creches, escolas, quadras ou para compra de equipamentos de tecnologia.
Na reunião dentro do MEC, Ribeiro falava sobre o orçamento da pasta, cortes de recursos da educação e a liberação de dinheiro para essas obras na presença de prefeitos, lideranças do FNDE e dos pastores Gilmar e Arilton.
“A minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”, diz o ministro na conversa.
“Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar”, diz o ministro na conversa em que participaram prefeitos e os dois religiosos.
Milton Ribeiro também indica haver uma contrapartida à liberação de recursos da pasta. “Então o apoio que a gente pede não é segredo, isso pode ser [inaudível] é apoio sobre construção das igrejas”.
Na gravação, ele não dá detalhes de como esse apoio se concretizaria.
Os dois pastores têm proximidade com Bolsonaro desde o primeiro ano do governo. Em 18 de outubro de 2019, participaram de evento no Palácio do Planalto com o presidente e ministros.
Em 10 de fevereiro do ano passado, por exemplo, estiveram ao lado de Ribeiro e também do presidente Bolsonaro em evento no MEC com 23 prefeitos —os nomes dos pastores não aparecem na agenda oficial. Odimar Barreto estava no evento e aparece na foto ao lado do presidente, do ministro e dos pastores.
Segundo relatos de gestores e assessores feitos sob anonimato, os pastores negociam pedidos para liberação de recursos a prefeituras em hotéis e restaurantes de Brasília.
Depois, entram em contato com o ministro Milton Ribeiro, que determina ao FNDE a oficialização do empenho —o primeiro passo da execução orçamentária, que reserva o recurso para determinada ação.
Políticos chegaram a ser recebidos na residência do próprio ministro, fora da agenda oficial, após reuniões no hotel Grand Bittar, na capital federal.
As intermediações dos pastores também ocorreram em eventos pelo interior do país, sobretudo na região Norte. Ambos acompanharam o ministro e o presidente do FNDE, Marcelo Lopes da Ponte, em viagens a municípios.
Em maio passado, estiveram em Centro Novo (MA), município de 22 mil habitantes. Ambos integraram oficialmente a mesa da solenidade e tiveram falas, como se fossem integrantes do governo.
O presidente do FNDE agradeceu aos pastores pela organização do evento, o que evidencia o protagonismo de ambos na definição da agenda da pasta. O prefeito de Centro Novo, Júnior Garimpeiro (PP), foi procurado, mas não respondeu.
Paulo Saldaña, Folhapress