A saída de Sergio Moro do Podemos provocou ressentimentos na cúpula do partido, que, nos bastidores, acusa o ex-juiz de traição e argumenta ter dado liberdade, destinado recursos e atendido a todas as suas demandas.
O anúncio do ex-ministro deixou ainda um grupo de “órfãos”, parlamentares e pessoas sem mandato que haviam migrado para a legenda justamente para acompanhar o então presidenciável.
Na última quinta-feira (31), Moro anunciou que deixaria o Podemos, partido ao qual se filiou em novembro do ano passado com a intenção de disputar a Presidência da República. Ele migrou para a União Brasil e não há garantia, agora, de que conseguirá manter sua candidatura presidencial.
Nos quase cinco meses em que ele esteve no Podemos, o partido avalia ter desembolsado cerca de R$ 3 milhões com o ex-juiz, em cálculo que inclui o pagamento de salários mensais de R$ 22 mil brutos, R$ 210 mil no evento de filiação e R$ 600 mil em uma pesquisa qualitativa de intenção de voto.
Em nota, a presidente do Podemos, Renata Abreu, disse que o partido ofereceu estrutura e garantia de recursos para a futura campanha. “Para a surpresa de todos, tanto a Executiva Nacional quanto os parlamentares souberam via imprensa da nova filiação de Moro, sem sequer uma comunicação interna do ex-presidenciável”, disse a deputada, na nota.
A insatisfação não ficou restrita à Executiva Nacional do partido. Nos quase cinco meses, o Podemos atraiu parlamentares e aspirantes a políticos que acreditavam que o ex-juiz poderia liderar a terceira via para romper a polarização eleitoral entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Para explicitar o apoio a Moro, integrantes do MBL (Movimento Brasil Livre), como o deputado estadual Arthur do Val, migraram ao Podemos —ele foi forçado a se desfiliar após o vazamento de áudios sexistas sobre as mulheres na Ucrânia.
Em vídeo postado nas redes sociais na quinta, Renan Santos, coordenador do MBL, disse estar “atônito” com o anúncio de Moro. O dirigente também havia deixado o Podemos após a expulsão de Arthur do Val, mas disse que seguiria com o ex-juiz.
Na avaliação de Renan, a saída do ex-ministro abriria caminho para a vitória de Lula ou Bolsonaro.
“Eu não entendi direito como o Moro se posicionou. Não acho que foi a forma mais correta. Acho que foi um pouco atabalhoada a forma como ele conduziu. Ele deveria ter avisado aos demais aliados. A gente foi pego de surpresa, porque veja só: o Arthur retirou a candidatura dele para o governo do estado de São Paulo para não atrapalhar a candidatura do Moro”, afirmou.
Também acompanhou Moro no Podemos o ex-procurador da República Deltan Dallagnol, que ganhou notoriedade na Operação Lava Jato. Ele anunciou que permanece na legenda.
“Me filiei ao Podemos pelo histórico de votação do partido no combate à corrupção e nada disso mudou. Sigo com meu projeto independente para a Câmara dos Deputados e com o meu compromisso junto à sociedade civil, de renovação e aprimoramento político do Congresso Nacional”, disse.
Além de Deltan, a ida de Moro ao Podemos atraiu sua mulher, Rosângela —que depois acabou se unindo ao ex-juiz na União Brasil—, além de deputados e o ex-ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz. Nesta segunda (4), o general disse que continuaria no partido, mas revelou que, por ora, desistiu dos planos eleitorais.
A saída de Moro do Podemos também prejudicou aliados do ex-ministro. Catarina Rochamonte, ex-colunista da Folha, disse ter sido informada pelo presidente do Podemos no Ceará de que não conseguiu montar chapa de candidatos a deputado federal, inviabilizando sua pré-candidatura ao cargo.
Por outro lado, alguns parlamentares deixaram o Podemos para se filiar a partidos que os ajudassem na disputa eleitoral, mas também por insatisfação com a entrada do ex-juiz. Estariam nessa relação nomes como Bacelar (BA), José Medeiros (MT), Diego Garcia (PR), Roberto de Lucena (SP) e Josivaldo JP (MA).1
“Moro não chegou onde chegou por ser burro. Ele é um cara que raciocina, e eu esperava esse cenário”, afirmou José Medeiros. “Ele sabe analisar o cenário político e ele já tinha percebido desde o início que o cenário estava polarizado. Então ele veio, fez um ensaio. Vai que cola, né? Não colou e ele partiu para outra.”
A decisão do ex-juiz causou irritação na Executiva Nacional do Podemos especialmente pelo fato de, pouco mais de uma semana antes do anúncio, Moro ter sido consultado sobre se queria negociar uma eventual aliança com a União Brasil. O ex-ministro teria dito que não.
Apesar da surpresa demonstrada pela cúpula do Podemos com a notícia, havia sinais de uma ruptura desde o fim de semana, quando houve uma conversa com o senador Álvaro Dias (Podemos-PR), apesar de o ex-juiz ter sido contemplado em seus pedidos.
Moro procurou Álvaro Dias para discutir o seu “plano B”, que seria a candidatura ao Senado pelo Paraná. Isso, no entanto, praticamente significaria a aposentadoria da vida pública do senador, que é o nome do partido para a disputa.
Álvaro Dias, segundo interlocutores, teria aceitado o pedido. No entanto, outros parlamentares reagiram à possibilidade de o senador ficar fora da disputa.
Em seguida, Moro pediu a Dias para entrar em contato com o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO), que é amigo próximo do apresentador José Luiz Datena. Moro queria sondar se Datena seria efetivamente candidato ao Senado, pois consideraria ter poucas chances contra o popular comunicador. Kajuru informou que sim.
“A motivação da mudança foi a busca de estrutura para sobrevivência da candidatura, ele imagina que o União Brasil terá poder de influir maior nesse grupo do centro democrático. Entendeu que no Podemos ficaria fragilizado na discussão. Enfim, essa é uma tentativa que ele faz. Se terá sucesso, não sei. Eu não faria esse movimento”, afirmou Álvaro Dias.
A questão financeira também se tornou um ponto de divergência entre Moro e o partido, que já havia sinalizado a intenção de não investir vultosos recursos em uma campanha que ainda enfrentava dificuldades para decolar.
“Primeiro que ele [Moro] na minha opinião foi leal ao Álvaro Dias, porque, se continuasse no Podemos, ele queria o plano B, ser candidato ao Senado pelo Paraná. E o Álvaro Dias assim encerraria a sua grandiosa carreira política”, afirma Kajuru.
Em nota enviada à Folha, Moro afirmou que os gastos feitos pelo Podemos em seu favor foram normais considerando a sua condição de pré-candidato. “O fundo partidário tem como objetivo custear ações do partido e seus filiados de acordo com a legislação eleitoral em vigor”, afirma o texto.
O ex-juiz também acrescenta que a mudança partidária teve por objetivo viabilizar a formação do centro democrático. “Na minha avaliação política, foi essencial.” Moro negou o episódio envolvendo Datena.
Renato Machado e Danielle Brant/Folhapress