Um acordo intermediado pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) em Campinas resultou na formalização, na última quinta-feira (20), de três trabalhadoras sexuais de uma casa noturna em Itapira, no interior de São Paulo.
Outras dez mulheres, que atuam em uma outra casa do mesmo município, também deverão ter suas carteiras de trabalho assinadas nos próximos dias. Segundo a Procuradoria Regional do Trabalho, essa é a primeira vez que um acordo viabiliza esse tipo de reconhecimento de vínculo de trabalho nessa atividade.
O MPT de Campinas diz que não pode dar mais informações sobre o caso pois os processos correm sob sigilo.
Se os estabelecimentos não cumprirem o acordo em até 30 dias, poderão receber multas a partir de R$ 2.000 por cláusula do TAC (termo de ajustamento de conduta). Além da formalização das trabalhadoras, os donos das casas se comprometeram a não admitir a permanência de menores de 18 anos nos locais.
Segundo o MPT, o acordo pelo registro em carteira começou a ser negociado a partir de uma fiscalização realizada nas casas noturnas. Uma denúncia anônima feita por meio do Disque 100 —canal de denúncias anônimas de casos de violações de direitos humanos— pedia que fossem apuradas suspeitas de trabalho análogo ao de escravo nesses locais.
Um grupo móvel do Ministério do Trabalho e Emprego com MPT, Polícia Federal e Defensoria Pública da União constatou, porém, que as mulheres não viviam em condições de escravidão contemporânea, aliciamento, tráfico de pessoas ou exploração sexual.
A procuradora do trabalho Andréa Tertuliano de Oliveira, que participou da operação, disse, em nota, que o acordo minimiza “a vulnerabilidade da profissão e permite sua regularização, com acesso aos direitos trabalhistas”.
Para o advogado trabalhista Ronaldo Tolentino, do escritório Ferraz dos Passos, o acordo representa uma quebra de tabu social ao reconhecer uma profissão que existe há muitos anos.
Do ponto de vista jurídico, porém, ele vê um equívoco na decisão. “Para admitirmos que haja um empregador que explore a profissão do sexo, você vai contra dois dispositivos do código penal, que é o de explorar casa de prostituição, e o artigo que trata do rufianismo”, diz Tolentino.
O rufianismo é aquilo que, em geral, se conhece como cafetinagem. No Código Penal, a atividade é descrita no artigo 230, como “tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar por quem a exerça”.
O advogado lembra ainda do caso da exploração do jogo do bicho. Não há um entendimento fechado, mas em mais de uma ocasião, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) entendeu que não havia vínculo de emprego entre a banca e aquele que lá trabalhava, uma vez que o objeto do contrato é ilícito.
“Aqui a gravidade é um pouco maior, porque o jogo do bicho é uma contravenção penal e a exploração sexual de terceiro, um crime”, afirma. “Não acredito que seja um precedente a ser aplicado.”
PROSTITUIÇÃO OU TRABALHO SEXUAL?
O MPT refere-se às mulheres que agora têm carteira de trabalho assinada como profissionais do sexo, seguindo o que prevê a Classificação Brasileira de Ocupação.
Nessa relação do Ministério do Trabalho e Emprego, de 2002, a atividade principal é “profissional do sexo”, acompanhada por diversas nomenclaturas. Lá estão garota de programa, meretriz, messalina, michê, mulher da vida, prostituta e trabalhador do sexo, todos descritos como sinônimos.
“Buscam programas sexuais; atendem e acompanham clientes; participam em ações educativas no campo da sexualidade. As atividades são exercidas seguindo normas e procedimentos que minimizam a vulnerabilidades da profissão”, diz a descrição da classificação.
Não há consenso, porém, sobre a terminologia mais adequada socialmente, uma vez que mesmo entre feministas e acadêmicas há quem defenda a existência do trabalho sexual (e portanto, dessa nomenclatura, que seria menos estigmatizante) e quem considere que a atividade, em si, seja exploratória (e, por isso, deixar de chamar de prostituição seria somente uma maquiagem de um tipo de exploração).
Fernanda Brigatti/Folhapress