segunda-feira, setembro 16, 2024

A canção que eu e Zeca não fizemos

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Confesso que bebi com Zeca Bahia, num dia 11 de outubro de 2017, ali no bar Hora Extra, na praça central de Bom Jesus da Lapa.

Lá ia eu passando e avistei Zeca já rodeado por três garrafas. A saudação foi um brinde que me revelou nos olhos do compositor uma satisfação por alguém estar ali com ele.

Foi nosso último brinde. Tivemos alguns outros poucos brindes na mais de uma década que vivo em Lapa. E esses encontros foram sempre marcantes, como em um aniversário dele, quando saboreei um tatu preparado por Evandro Correia, na residência de Zeca.

Porém, nada mais satisfatório do que nossa derradeira conversa, quando entornamos juntos  quatro cervejas.

Pude sentir a emoção do poeta, ao lhe dizer que o conhecia desde a transição dos anos 70 para 80, quando bem jovem eu frequentava o circuito cultural alternativo de São Paulo. Falei nomes de artistas que ele conhecera e com quem convivera.

Eu ouvia, à época, a canção “Velho Demais” antes mesmo de “Porto Solidão” fazer sucesso com Jessé, uma vez que já conhecia o som da banda Placa Luminosa nas madrugadas.

Relembrei o dia da apresentação de Jessé, no festival da Globo, quando enquanto o cantor se preparava para interpretar a “Porto Solidão”, a câmera focalizou Zeca e Ginko, có-autor desse clássico mundial, nos bastidores do festival.

Vi Zeca verter lágrimas no momento dessa memória.

Ele ficou emocionado quando apontei na música dele, inclusive nas letras, uma certa influência hispânica, devido ao tom dramático, algo característico do tango e da cultura cigana.

E ele chorou mais uma vez porque sabia muito bem ao que eu estava me referindo.

Tantas vezes, quando nos encontrávamos, combinávamos fazer uma canção juntos, o que nunca aconteceu, mesmo eu tendo feito uma letra, faz alguns anos, inspirada no próprio Zeca, a qual desejava ver musicada por ele.

Nos despedimos e em seguida ele foi para sua última rodada de conversa ao lado de artistas, no Teatro Municipal Professora Ivonildes de Melo, no encerramento da I Flilapa. Ali, quem esteve presente como eu estive, viu Zeca se alegrar, falar de poesia, música e ouvir causos a seu respeito.

Zeca Bahia agora é “andorinha solta”, deixou um legado que não se limita apenas à grandiosidade de Porto Solidão, porém, ensinou como ser minimalista compondo canções populares de beleza ímpar ao utilizar poucos versos com rara inspiração musical.

Só me resta dizer, Ave, Zeca!

Por Emanoel Virgino (07/02/2018)

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