quinta-feira, novembro 21, 2024

Território Velho Chico em Versos

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Por Cléber Eduão*

Foi das margens do rio Opará
Entre secas e algum chuvisco
“Nasceu” Brotas, Muquém do São Francisco
“Brotou” Barra, Brejinhos, Morpará
Serra do Ramalho tem seu lugar,
Malhada e o Riacho de Santana,
Paratinga, Matina, Ibotirama,
Feira da Mata e a Igaporã,
Bom Jesus – estrela da manhã,
Sítio do Mato, Carinhanha.
Nas entranhas do Velho rio
Percorre o suor do ribeirinho
E essas águas lavam com carinho
O vapor que aportou sem assobio
Deságua no mar com todo brio
Vai levando a esperança “bêradeira”
E as linhas que tecem a guerreira,
Mulher que nasceu da força bruta
São feitas com fios de amor e luta
Bordadas pelas mãos de uma parteira.
Barra é bem perto do Piauí
E traz nos brejos a cor do sertão.
Os folguedos belos do São João
Misturam-se ao cozido de cari.
É em Barra que o Chico sempre ri
Pois abraça o Grande abençoado.
Os palácios e igrejas do passado
Referências de encantada arquitetura,
O artesanato é o brilho da cultura
Que veste os feirantes no mercado.
Muquém é de águas franciscanas,
Lugar de bons solos e rebanhos.
Quem planta sonhos colhe ganhos
E a festa? Se dá numa semana.
Das palhas do milho de Santana
As mulheres produzem sustentos.
Tem a aldeia Kiriri; assentamentos
Quilombos com sambas e reisados.
Tudo isso se mistura aos caldos
Das culturas – “torés” de sentimentos
A harmonia da viola é a cura
Que transborda no rio de Ibotirama
E por essas e outras tem a fama
De “cidade-canção”, céu de candura.
Recanto de amor à literatura.
Rebentos de poesias, contos, prosas.
Os Reizinhos, Curutas e Barbosas
Que diariamente surgem no cais,
Embelezam com magia os festivais
Qual jardim se enfeita com as rosas.
A pequena montanha de Morpará
É palco que se vê de toda parte,
É cenário das Sementes da Arte
Singelas belezas do lugar.
A cidade é banhada pelo “rio-mar”,
São Francisco de remansos, coroas,
Das rimas, dos rumos e das canoas,
Da pesca, dos cantos da lavadeira
Das danças, dos sambas, da capoeira
Do São Pedro: festa que não desentoa.
Por cima da Pedra do Urubu
Dá pra ver os riachos e paisagens,
Quedas d’águas que parecem miragens,
Na seca reina o mandacaru.
Na chuva florescem pés-de-umbu
E enverdece a porteira da chapada.
Brotas das rezadeiras encantadas
Do divino, das novenas e dos cantos
De Zequinha Barreto e Milton Santos
Das missas, procissões e alvoradas.
Berço de cachoeiras e caminhos,
De fundos de pastos e campestres,
De sítios com desenhos rupestres,
Com histórias de garimpos e espinhos.
O município de Oliveira dos Brejinhos
Orgulha-se dos seus poetas e quintais,
Dos festejos dos grupos tradicionais,
Dos caprinos – “vivedores” da caatinga,
Da água tão docinha da moringa,
Da arte em madeira ou minerais.
Paratinga em mês do carnaval
É período de desfile e tradição,
Transforma o espetáculo de São João
Em um imenso celeiro cultural.
Tem filarmônica, mercado municipal,
Ruínas de uma igreja abandonada,
Rodas de São Gonçalo, marujada,
A boa música do Zabumba Alecrim;
A sonhada moqueca de surubim;
A cachaça artesanal e a cavalhada.
Banhado por dois rios iluminados,
Sitio do Mato é terra de boa gente,
Abraça o São Francisco e o Corrente,
Com muitos pescadores e assentados.
“Narradores de Javé” foi bem filmado,
Com atuação de atores da Gameleira…
Procissões na semana da Padroeira,
São costumes que o povo todo crê.
Os dias do Candeeiro e do Saber,
Referendam a cantiga “bêradeira”.
Santuário da fé e romarias,
Brilha forte Bom Jesus da Lapa,
E de cima da Gruta vê-se um mapa
Multicor, “samba-dores” e alegrias
Quilombos de lendas e cantorias,
De versos de uns “nobres barranqueiros”.
Da Ilha do Medo – o canoeiro
Rema nas maretas da inspiração.
Nas barrancas do “porto solidão”
Florescem as canções do “violeiro”.
O arraial de Riacho de Santana
Foi aldeia dos índios Canindés,
Os quais deixaram a cor, a fé,
E “multiculturas superbacanas”.
O cuidado é virtude de quem ama
O Boqueirão, a “Barragem do Giral”,
A cachoeira que deságua do “Perau”,
As quermesses, a religiosidade,
A semana de cultura da cidade
E os bovinos pastando no quintal.
Santo Antônio, São Pedro e São João
São santos que “reinam” em Igaporã.
Os ternos de reis de Guarantã
Fazem pulsar bem forte o coração.
Em Gurunga e Sambaíba, a superstição
Mistura-se aos contos e aos mitos.
O teatro amador é tão bonito.
O rio Barbalho é quase um “mar”.
Há figuras tão belas feito Osmar,
Benés, Gandaias e Expeditos.
Dizem que o nascimento de Matina
Foi no raio de um “velho Tamarindo”,
Que “Caído” se fez, mas é tão lindo
Patrimônio histórico que ensina.
João Barrada – estrela que ilumina,
Repentista certeiro e criativo.
Eliézio é um poeta bem cativo.
As quadrilhas juninas alegram o povo
E a Pedra do Tapuia e Sítio Novo
Fazem o passado sempre vivo.
O município de Serra do Ramalho
É como um grande assentamento.
E das agrovilas cultiva os alimentos:
Mandioca, feijão ou milho-alho.
Tem a força da raiz do carvalho,
A poesia de Haurélio bem rimada,
O gado, o vaqueiro, a vaquejada,
A banda de pífano, o Pankarú
– Índio que não deixa o corpo nu
Mas mantém a memória preservada.
Antiga casa de índios caiapó,
Nas margens do rio Carinhanha,
Uma cidade pequena e de tamanha
Riqueza cultural não se fez só,
Cresceu sem as amarras ou cipós,
Adoçada ao sabor da rapadura,
Temperada pela mandiocultura
E com uma pinga que não maltrata.
Da Boca da Gruta Feira da Mata
Mostra ao Velho Chico sua cultura.
Carinhanha resulta da mistura,
De índios caiapós, negros e brancos
Nas palavras sábias do homem franco:
“Foi o caldo que deu cheiro a fervura”.
Desenhou e esculpiu tantas figuras:
Artesãos, literatos, cantadores,
Instrumentistas, atrizes, atores,
O Pontal e o Riacho da Caatinga,
Caboclos que espantam as mandingas,
Reisados que expulsam os dissabores.
De Carinhanha a vila desmembrada
Firmou-se cidade em pouco tempo.
E a mágica fiel do casamento
Uniu Minas Gerais com a Malhada.
Travessia de vaqueiros, boiadas,
De grupos da cultura popular,
Do Rio que não para de passar,
Cheio de curimatãs e dourados,
Das rezas, dos “cocos” e dos bordados,
Lagoa do Mocambo pra nadar.
Em cada ilhota uma Maria,
E em cada uma cidade um Chico.
Tem tanta gente pobre, têm os ricos…
Se são muitos os acres, poucos “Bias”.
Pois a sede dos nobres não sacia,
Mas vontade do povo não se acaba,
É por isso que a luta não desaba
E a cada minuto se expande!
Feito “Senzala & Casa Grande”
Uma margem mansão, a outra “taba.

* Eduão é poeta, educador e compositor, de 2009 a 2013 trabalhou com articulador de cultura nos Territórios Velho Chico, Bacia do Paramirim, Bacia do Rio Corrente e Bacia do Rio Grande, pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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