Em um intervalo de dois anos, o trabalho por conta própria com CNPJ avançou mais entre as mulheres pretas e pardas no Brasil. É o que indica um estudo da pesquisadora Janaína Feijó, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
Segundo a pesquisa, 674,6 mil mulheres pretas e pardas trabalhavam de forma autônoma e com o registro formal no terceiro trimestre de 2019, período pré-pandemia.
No terceiro trimestre de 2021, o número subiu para quase 921 mil, o maior de uma série histórica iniciada em 2015. Isso quer dizer que, no intervalo, houve uma alta de 36,5%.
O avanço do trabalho por conta própria com CNPJ não ocorreu apenas entre as mulheres pretas e pardas, mas foi o mais intenso, em termos percentuais, entre os quatro grupos pesquisados.
Apesar do crescimento, elas ainda representam a menor parcela em relação ao total dos autônomos com registro formal, estimado em 6,2 milhões no terceiro trimestre de 2021. As mulheres pretas e pardas correspondem a 14,8% do grupo.
O número de mulheres brancas atuando dessa forma subiu 28,6% entre o terceiro trimestre de 2019 e igual intervalo de 2021, para 1,4 milhão. A marca equivale a 23% dos autônomos com CNPJ.
Já os homens pretos e pardos aumentaram 25,9%, para 1,6 milhão (25,3% do total). Entre os homens brancos, o avanço foi de 23,4%, para 2,3 milhões (36,7% do total).
O estudo utiliza microdados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Segundo Janaína, o forte avanço entre as mulheres pretas e pardas pode ser considerado positivo se for comparado com as condições enfrentadas pelos profissionais por conta própria sem CNPJ no país. Isso porque, conforme os microdados da Pnad, os autônomos com registro formal têm, em média, maiores níveis de escolaridade e renda em relação ao grupo que atua sem CNPJ.
“O trabalho por conta própria sem CNPJ reúne muitas pessoas que fazem trabalhos temporários e os chamados bicos”, diz a economista.
“Já o grupo com CNPJ tem os microempreendedores individuais, que podem estar buscando o desenvolvimento de negócios próprios, além das pessoas que foram demitidas e recorreram à chamada pejotização para conseguir prestar serviços a empresas”, completa.
O número de 6,2 milhões de trabalhadores formais por conta própria com CNPJ, verificado no terceiro trimestre deste ano, é o maior da série histórica iniciada em 2015. Contudo, segue distante do total de profissionais autônomos sem registro.
No terceiro trimestre deste ano, os trabalhadores por conta própria que atuavam de maneira informal somavam 19,2 milhões de pessoas no país.
O contingente está 0,2% abaixo do terceiro trimestre de 2019 (19,3 milhões), período pré-pandemia.
Entre os informais, a maioria é composta por homens pretos e pardos (7,8 milhões ou 40,6%), seguidos por homens brancos (4,9 milhões ou 25,5%), mulheres pretas e pardas (3,6 milhões ou 18,9%) e mulheres brancas (2,8 milhões ou 14,4%).
“Esse grande volume dos sem CNPJ traz de volta a discussão sobre a situação de vulnerabilidade dos postos de trabalho no Brasil, pois esses trabalhadores não possuem proteção social, muitas vezes estão em contextos socioeconômicos desfavoráveis e estão mais suscetíveis às oscilações da economia”, aponta o estudo assinado por Janaína.
A administradora Sônia Lesse, 36, relata que trabalha por conta própria desde 2012. Começou sem CNPJ e buscou a formalização dois anos depois, em 2014, para conseguir prestar serviços a empresas.
Atualmente, ela trabalha como consultora na área de desenvolvimento de pessoas e atende principalmente outras mulheres negras que buscam inserção no mercado de trabalho.
Conforme Sônia, o movimento de maior formalização é perceptível entre as profissionais. No entanto, muitas mulheres negras ainda sofrem com dificuldades de inserção no mercado, e o trabalho por conta própria acaba virando a opção viável, de acordo com a consultora.
“As profissionais precisam comprovar que existem para prestar serviços e, por isso, buscam a formalização. Mas o principal motivo que leva a empreender ainda é a falta de oportunidades no mercado de trabalho”, avalia.
“Nós, mulheres negras, lidamos muito com machismo e racismo. Isso impede avanços na carreira”, completa.
Cintia Felix, 35, faz parte do grupo de mulheres negras que resolveu atuar por conta própria. Em 2015, deixou o emprego em uma companhia do ramo de moda em processo de falência e teve de buscar o novo caminho profissional.
Inicialmente, Cintia não pensava em ser autônoma, mas diz que percebeu uma oportunidade de mercado. À época, resolveu apostar em uma marca própria de roupas sustentáveis.
De lá para cá, o negócio avançou. Cintia busca, por exemplo, o apoio de uma rede de costureiras para a confecção das peças.
“Não tinha vontade de ter um negócio, mas vi uma oportunidade que as outras pessoas não estavam vendo”, lembra a empreendedora, que deixou o Rio há dois anos e passou a viver em São Paulo devido ao trabalho.
Fundador do Movimento Black Money, Alan Soares avalia que a economia brasileira vem passando por uma série de transformações devido ao avanço de plataformas tecnológicas em diferentes setores.
Esse cenário, diz, provoca reflexos no mercado de trabalho, e modalidades como a dos autônomos ganham força. O resultado, conclui, é uma grande massa de profissionais na informalidade.
“A economia de plataforma empurrou mais gente para o mercado informal.”
No terceiro trimestre de 2021, o número total de trabalhadores por conta própria, com e sem CNPJ, encostou em 25,5 milhões no Brasil. É o maior nível da série histórica do IBGE, iniciada em 2012. O instituto passou a detalhar se os trabalhadores têm ou não CNPJ a partir do final de 2015.
Leonardo Vieceli / Folha de São Paulo