A ausência de um líder no Senado provocou ao menos 11 reveses para o governo por parte de senadores que não fazem parte da base de Jair Bolsonaro (PL).
O governo completou dois meses sem uma liderança na Casa, em um imbróglio que pode se estender por algumas semanas ou mesmo meses.
Congressistas aproveitaram esse vácuo para tratar e avançar com assuntos que contrariam a equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) e conseguiram até mesmo convocar sem dificuldades ministros de Estado para darem explicações.
Mesmo quando não há resistência dos adversários, a situação acaba tendo consequências para a gestão Bolsonaro. O governo, por exemplo, não consegue a simples tarefa de reunir quórum para aprovar indicações de autoridades.
O cargo de líder do governo está vago desde 15 de dezembro do ano passado, quando Fernando Bezerra (MDB-PE) deixou o posto após ser abandonado pelo Palácio do Planalto em sua tentativa de se tornar ministro do TCU (Tribunal de Contas da União).
Ainda que a relação com o Senado sempre tenha sido difícil para Bolsonaro, os parlamentares apontam que Bezerra mantinha bom diálogo com todas as bancadas, conseguia articular para barrar propostas contrárias e participava das principais negociações.
“O senador Fernando Bezerra fez mágica no período em que foi líder do governo, enfrentou crises de todos os tipos e conseguiu defender uma boa parte dos interesses do governo”, afirmou o senador independente Otto Alencar (PSD-BA).
Otto vivenciou nos últimos meses a desorganização do governo, como presidente da CAE (Comissão de Assuntos Econômicos).
Está na pauta do colegiado a sabatina de dois diretores indicados para o Banco Central —Renato Dias de Brito Gomes e Diogo Abry Guillen. No entanto, as reuniões da comissão vêm sendo adiadas, desde o ano passado, por falta de quórum para a aprovação.
“O governo não tem voto para aprovar, não tem gente para colocar lá para votar e agora com o recrudescimento da pandemia ficou até pior, porque a votação precisa ser presencial”, disse o senador, que cancelou a sessão da última terça-feira (15).
O plenário do Senado também aprovou nas últimas duas semanas, sem nenhuma resistência, medidas que eram combatidas por Guedes.
Uma delas obriga o governo federal a arcar com os custos da gratuidade para idosos no transporte público, como uma forma de segurar o reajuste das tarifas de ônibus. A medida terá impacto de R$ 5 bilhões por ano.
Também sem nenhuma oposição ou articulação governista para barrá-las, o Senado aprovou um projeto de lei que retira policiais e profissionais de saúde das restrições determinadas durante a pandemia e permite a aquisição de direitos relacionados ao tempo de serviço —que havia sido alvo de veto presidencial.
Senadores apontam que um episódio que simboliza a falta de organização do governo aconteceu durante a tramitação da PEC que determina que 70% dos recursos com concessões onerosas do transporte precisam ser reinvestidos no setor.
Ao orientar a bancada governista, de maneira provisória, o vice-líder Carlos Viana (MDB-MG) afirmou que o governo era contra, mas ele próprio criticou essa posição e disse que votaria a favor.
“O governo, inicialmente, foi contra a proposta, uma vez que ela engessa os recursos que poderiam ser utilizados em novos investimentos em outros estados. Esse chamado investimento cruzado, inclusive, foi muito criticado por nós, em Minas Gerais, na questão ferroviária, e, durante a votação do Marco das Ferrovias, nós colocamos, com muita clareza, que pelo menos metade de todos os investimentos das concessões deveria ser reinvestida no próprio setor e nos estados em que as concessões acontecem.”
“Dessa forma, como aqui quem defendeu, durante o Marco das Ferrovias, e, em acordo, nós vamos liberar a bancada e o meu voto é ‘sim’, favorável à proposta”, completou.
Também aproveitando a falta de organização, os senadores que integraram a CPI da Covid usaram a Comissão de Direitos Humanos para atropelar e convocar, de uma única vez, para prestar esclarecimentos os ministros Marcelo Queiroga (Saúde) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos).
Ele vai precisar explicar nota técnica que questiona eficácia das vacinas e valoriza o kit Covid, enquanto que Damares vai precisar justificar as ações de seu ministério contra o passaporte vacinal.
No mesmo pacote, também foram convidados o então secretário do Ministério da Saúde Hélio Angotti Neto e o diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres.
Mesmo senadores independentes e da oposição reclamam da falta de um líder do governo. Mais recentemente, aponta-se que não há um parlamentar representante do governo nas tratativas envolvendo as propostas para reduzir os preços dos combustíveis, como Bezerra sempre fez questão de estar presente.
Governistas temem que a indefinição persista. Bolsonaro tentou emplacar como líder Alexandre Silveira (PSD-MG), aliado do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) —que é apontado como pré-candidato ao Planalto. Acabou vendo uma forte reação do PSD e ouvindo uma negativa.
Os nomes cotados agora voltaram a ser o do vice-líder do governo Marcos Rogério (PL-RO), que ganhou a confiança do governo durante a CPI da Covid e que migrou recentemente para o partido do presidente.
No entanto, o senador é pré-candidato ao governo do seu estado. Além disso, tem dito a interlocutores que precisaria da garantia que os acordos feitos dentro do Senado seriam honrados pelo governo.
Outro nome envolvido é o do atual líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), que precisaria conciliar os dois cargos e ainda uma possível candidatura ao governo de seu estado.
Também surge como cotado o líder do PL, partido do presidente da República, Carlos Portinho (RJ).
O parlamentar possui boa interlocução com os outros partidos, mas tem posições contrárias às de Bolsonaro em temas relacionados à pandemia. Portinho foi autor do projeto de lei que cria o passaporte vacinal, aprovado no Senado, mas sem perspectiva de votação na Câmara.
Senadores mais experientes apontam que a última vez que um governo enfrentou dificuldades para nomear um líder foi em 1999, durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A diferença é que, na ocasião, grupos políticos queriam o cargo e agora ninguém parece almejá-lo.
FHC queria indicar José Fogaça (MDB-RS), que contava com o apoio do presidente da Casa, Antônio Carlos Magalhães (então PFL-BA), mas enfrentava resistência de caciques do próprio MDB.
A disputa se arrastou por alguns meses, até que o escolhido fosse José Roberto Arruda (então no PSDB-DF), que havia deixado a liderança do governo no Congresso. Curiosamente, a sua mulher, a ministra Flávia Arruda (Secretaria de Governo), é a pessoa a cargo da difícil missão de encontrar um novo líder para o governo.
Renato Machado/Folhapress