Com muitos aspirantes e poucas intenções de voto, o campo de candidatos que tenta romper a polarização entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) teve resultados desanimadores com a pesquisa Datafolha desta quinta-feira (24) e entrou na zona de definhamento público.
Seja para Sergio Moro (Podemos), que compõe um grupo maior da centro-direita com cinco nomes que conversam sobre uma aglutinação em torno do que for mais competitivo, seja para Ciro Gomes (PDT), que navega à esquerda e está distante das negociações de unificação, o cenário é crítico.
O levantamento sobre o pleito de outubro foi feito com 2.556 eleitores em 181 cidades de todo o país, nesta terça (22) e quarta-feira (23). A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou menos. A pesquisa está registrada no TSE sob o número BR-08967/2022.
Embora as taxas de intenção de voto não representem exatamente uma novidade, dado que os patamares pouco têm se alterado nas sondagens recentes, o levantamento adicionou elementos que desconstroem argumentos mais otimistas dos que trabalham pela criação de um polo opcional aos favoritos.
O quadro de afunilamento entre Lula e Bolsonaro passou a ser reconhecido com mais frequência nos bastidores nas últimas semanas, naquilo que um proeminente participante da terceira via classificou como “pulverização de migalhas”, em referência aos baixos índices dos competidores.
Moro está no Datafolha com 8%, empatado tecnicamente com Ciro (6%). As dificuldades de ambos na montagem de palanques estaduais e as inúmeras resistências no universo político jogam contra o ex-juiz e o ex-ministro.
Os dois estão à frente de um pelotão que registra 2% ou, quando muito, 3% —posição curiosamente ocupada por um postulante considerado algo folclórico, o deputado federal André Janones (Avante), alijado das discussões partidárias sobre eventual união.
O governador de São Paulo, João Doria, que venceu nas prévias do PSDB o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e chegou a ser visto na fase de discussões preliminares sobre a corrida ao Planalto como um rival que daria trabalho aos demais, novamente colheu resultados frustrantes.
Governante do estado mais rico do país e sentado em uma cadeira que alça o ocupante à condição de presidenciável, Doria falhou até aqui em transformar em ativo eleitoral as imagens de antagonista de Bolsonaro (por quem fez campanha em 2018, na célebre dobradinha “BolsoDoria”) e de “pai da vacina” contra a Covid-19.
O tucano, que está prestes a deixar o cargo para mergulhar na aventura presidencial, marcou 2% em todos os cenários em que o instituto testou seu nome.
A situação também é dramática nas simulações que envolvem Leite, hoje em uma encruzilhada entre deixar o PSDB para ser presidenciável pelo PSD ou ficar no tucanato e confiar em alguma saída que o levaria a substituir Doria, o vencedor das prévias.
Se o critério para a decisão do gaúcho forem projeções sobre intenção de voto, o Datafolha só complicou sua vida. Ele marca apenas 1% no cenário especulado que o inclui como candidato e exclui Doria.
A senadora Simone Tebet (MDB) e o cientista político Luiz Felipe d’Avila (Novo) também não passam de 1% em nenhuma das configurações. O candidato do Novo não pontua (aparece com 0%) em dois cenários.
O xadrez montado pelo instituto nas simulações, com a adição ou retirada de nomes que ainda são considerados incertos nas urnas, demonstrou que os patamares de Lula e Bolsonaro se mantêm, independentemente de quais sejam seus rivais.
O líder do PT tem 43% no cenário mais amplo e o candidato à reeleição, 26%.
As intenções sobre decantar o segmento da centro-direita e estabelecer um acordo em que os demais candidatos abririam mão da campanha em torno de um projeto único abrangem, com diferentes graus de envolvimento: PSDB, MDB, Podemos e Novo, além da União Brasil, que tem dito que apresentará candidato, mas ainda não lançou nome.
O PDT recebeu acenos da cúpula da União para se juntar ao clube, mas Ciro reluta em dialogar nesses termos com Doria e Moro, além de refutar o rótulo de terceira via e guardar profundas diferenças programáticas com os demais, sobretudo na esfera econômica.
Unidos pela retórica anti-Lula e anti-Bolsonaro, os expoentes da turma que tenta furar o favoritismo do ex e do atual presidente parecem ter como esperança se apegar a um fator muito citado em conversas privadas nos últimos dias: o imponderável.
Dirigentes partidários, aliados e assessores políticos insistem na ressalva de que nada impede alguma surpresa do destino capaz de bagunçar o cenário atual, seja com alterações na lista de concorrentes, mudanças de humor do eleitorado ou outro acontecimento do âmbito do insondável.
Há ainda a justificativa de que a campanha eleitoral em si está longe de começar e que o marketing pode dar conta de fazer deslanchar algum dos nomes —contando, por óbvio, com uma desidratação sensível dos dois atuais líderes do certame, o que soa cada vez mais difícil.
Nas especulações de segundo turno, conforme a pesquisa, Moro bateria Bolsonaro, mas não Lula; Doria perderia para Lula e empataria com Bolsonaro; e Ciro superaria Bolsonaro, mas não Lula.
A nova pesquisa contribuiu para a crescente sensação de desalento ao evidenciar sinais negativos para perspectivas de crescimento do pelotão distante do topo.
Um dos obstáculos reside hoje nas taxas de rejeição. Depois de Bolsonaro (55%) e Lula (37%), quem aparece como candidato em quem o eleitor não votaria de jeito nenhum é Doria (30%), seguido por Moro (26%), Ciro (23%) e Leite (14%); Tebet soma 12% e d’Avila, 11%.
Estrategistas dizem que os percentuais de rejeição são de difícil reversão, já que a opinião normalmente está cristalizada na cabeça do eleitorado e tende a se manter.
A ressignificação é tida como especialmente complicada no caso de candidatos com elevados índices de conhecimento. Como o eleitor sabe de quem se trata e tem uma mínima noção sobre o histórico, ele já teve acesso a informações capazes de subsidiar sua avaliação.
Moro, por exemplo, só não é conhecido por uma parcela de 10%. Uma fatia de 11% respondeu desconhecer Ciro. Doria tem 20% nesse quesito —o que significa, portanto, que 80% o identificam de alguma maneira.
Por outro lado, 73% dizem não conhecer Tebet e 58% dos eleitores não sabem quem é Leite, o que, em tese, abre uma pista para que suas imagens públicas sejam trabalhadas nos próximos meses, resultando eventualmente em subida nos gráficos de voto.
Na pesquisa espontânea, em que o entrevistado é questionado sobre o candidato em que irá votar, sem ser apresentado às listas de opções, também sobrevêm notícias frustrantes para a “nova via”.
Lula é citado por 30% e Bolsonaro, por 23%, muito à frente dos postulantes que aparecem a seguir no ranking, Ciro e Moro, ambos com 2%. Uma parcela de 3% dos entrevistados mencionou outros nomes, 8% afirmaram que marcarão nulo ou em branco e 32% falaram não saber em quem votar.
Ou seja, resta hoje um estrato em torno de um terço do eleitorado a ser disputado pelos que buscam se colocar como alternativa aos lulistas e bolsonaristas convictos.
Os números indicam uma consolidação das preferências imediatas pelos dois líderes políticos, em uma espécie de antecipação do segundo turno, que fica ainda mais notória quando levados em conta os patamares na pesquisa estimulada (com a exibição de nomes ao entrevistado).
Corroboram essa percepção os percentuais de nível de segurança sobre a escolha. Enquanto a maior parte dos eleitores de Lula (78%) e de Bolsonaro (80%) responde que está totalmente decidida a votar neles, a maioria dos que declaram voto na terceira via se diz disposta a rever a opção.
Entre os simpatizantes de Moro, 63% afirmam que seu voto ainda pode mudar. Entre os de Ciro, são 72%. Já entre os que cogitam ir de Doria, o percentual dos que admitem rever a decisão chega a 76%.
Outro argumento de que entusiastas desse campo alternativo lançam mão —e que foi balançado pela pesquisa— é o de que o eleitorado médio ainda está afastado do debate sobre a corrida presidencial e que o desenrolar da campanha, com propagandas e debates, favorecerá mudanças de conjuntura.
Não é, contudo, o que mostra o Datafolha. Segundo o levantamento, 45% dos entrevistados dizem que seu interesse na eleição para presidente é grande. Para efeito de comparação, esse grupo correspondia a 35% em agosto em 2018, bem mais perto da data da ida às urnas, das quais Bolsonaro saiu vencedor.
Joelmir Tavares/Folhapress