O total de brasileiros abaixo da linha básica de pobreza no país atingiu recorde no fim de 2021, com 23 milhões de pessoas —quase uma Austrália— vivendo com menos de R$ 210 ao mês (R$ 7 ao dia). Isso equivale a 10,8% dos brasileiros.
Embora baixo para suprir as necessidades básicas, o valor é usado como critério de elegibilidade a algum benefício pelo Auxílio Brasil —o que significa que milhões de brasileiros que teriam direito a entrar no programa seguem excluídos.
Além do recorde no total de pessoas vivendo com menos de R$ 210 ao mês, em série iniciada em 2015, os mais pobres foram submetidos a volatilidade extrema nos seus rendimentos. Eles variaram muito nos últimos dois anos, com a adoção do Auxílio Emergencial na pandemia, o fim do Bolsa Família e a indefinição até a criação atual Auxílio Brasil.
Em termos de mudanças, a proporção de pobres em bases anuais subiu 42,1% entre 2020 e 2021, correspondendo a 7,2 milhões de novos pobres em relação a 2020 e 3,6 milhões em relação ao pré pandemia, segundo dados da FGV Social com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE.
“Além da elevada desigualdade social e do baixo crescimento econômico dos últimos anos, os mais pobres têm sofrido muito com a ‘montanha-russa’ no valor de seus rendimentos, o que é muito ruim para o planejamento e bem estar da população”, afirma o economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social.
Nessa “montanha-russa”, a renda domiciliar per capita mensal dos 10% mais pobres vinha em queda antes da Covid-19 e despencou a menos da metade no início do isolamento social (de R$ 114 em novembro de 2019 a R$ 52 em março de 2020). Deste mínimo, foi mais do que quadruplicada até seu pico histórico, em agosto de 2020 (R$ 215), na fase mais generosa do Auxílio Emergencial.
Depois, desabou a pouco mais de um quarto com a suspensão do programa em janeiro de 2021 (R$ 55). A retomada do benefício, com cobertura e valores reduzidos, recuperou parcialmente a renda dos mais pobres (R$ 113 em agosto de 2021), com tendência de novo recuo nos últimos meses do ano, ficando 15,8% abaixo do nível pré pandemia (R$ 96 em novembro de 2021).
Segundo Neri, pesquisas mostram que quase dois terços dos 40% mais pobres no país normalmente contam com a ajuda de parentes e amigos para sobreviver no dia a dia. “Como agora estão todos na mesma, essa rede de ajuda ficou muito limitada.”
De acordo com a Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), 33 milhões de pessoas hoje passam fome no Brasil; e 6 a cada 10 brasileiros convivem com algum grau de insegurança alimentar.
Neri lembra que, desde o início dos anos 1970, o Brasil figura como um dos maiores recordistas em inflação no mundo, mesmo após o Plano Real, em 1994 —o que é extremamente prejudicial aos mais pobres.
“A imprevisibilidade na renda só piora esse quadro. Agora mesmo há a tentativa de baixar os preços da gasolina, que devem voltar a subir em 2023”, afirma.
Fernando Canzian/Folhapress