O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Alexandre de Moraes, deve propor o uso da biometria em uma urna eletrônica que será auditada em cada capital e no Distrito Federal durante os dias de votação.
Atualmente, cerca de 650 urnas são testadas nas datas do primeiro e do segundo turno. Para chegar a um acordo com as Forças Armadas e tentar esvaziar o discurso golpista do presidente Jair Bolsonaro (PL), Moraes elaborou o plano de reformular a avaliação de pelo menos 27 desses equipamentos.
O presidente do TSE deve levar ao plenário do tribunal na próxima semana uma proposta de resolução com a mudança, de acordo com integrantes da Justiça Eleitoral que acompanham a discussão.
A análise das urnas com a biometria de eleitores reais será feita nos locais de votação, enquanto no formato tradicional ela ocorrerá em pontos indicados pelos tribunais regionais.
No último dia 31, após se reunir com o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, Moraes anunciou que iria avaliar a “possibilidade de um projeto-piloto complementar, utilizando a biometria”.
A área técnica do TSE é contra a mudança no teste das urnas e vê a medida como política. Além de considerarem que o uso da biometria neste número de equipamentos não reforça a fiscalização, os integrantes do tribunal temem que haja tumulto nos locais de votação.
Além do mais, os técnicos da corte duvidam que Bolsonaro deixará de atacar o sistema eleitoral após o acordo.
O chefe do Executivo já mostrou desconfiança sobre o acordo entre a Defesa e Moraes. “Aceitando as propostas das Forças Armadas, a chance de fraude chega próximo de zero. Próximo de zero não é zero. Por que bater nessa tecla? Por que evitarem camadas de transparência?”, disse Bolsonaro à Jovem Pan no último dia 6.
Chamada de teste de integridade das urnas, a análise costuma ser feita nos locais indicados pelos tribunais regionais eleitorais, em equipamentos que são previamente retirados das seções de votação após sorteio ou escolha.
Para usar a biometria, como pedem os militares, a avaliação terá de ser executada nos locais de votação. Um eleitor deve se voluntariar a colocar o dedo na urna para destravar o equipamento.
Na sequência, o teste segue o fluxo tradicional. Uma votação simulada é feita em cédulas de papel, que são depositadas em urnas de lona. Em seguida, em operação que passa a ser filmada, os votos são apresentados e copiados na urna sob teste, para mostrar que o resultado será o mesmo nos procedimentos físico e digital.
Moraes deve propor que as urnas auditadas com a biometria sejam de seções eleitorais escolhidas pelos tribunais regionais, segundo integrantes da Justiça Eleitoral.
Na argumentação dos militares, o teste de integridade precisa reproduzir as condições de votação da forma mais próxima da realidade possível. Por isso, eles consideram que seria importante que uso da biometria de eleitores reais durante a auditoria, para evitar que um possível código malicioso fraudasse o processo.
Ex-presidente do TSE, o ministro Edson Fachin havia negado e encerrado a discussão sobre o uso da biometria nas eleições deste ano. Sob Moraes, técnicos do tribunal voltaram ao tema e chegaram a simular a mudança, mas consideraram que a medida seria ineficaz e trabalhosa.
Durante cerimônia de lacração dos sistemas eleitorais, no último dia 2, o diretor de Tecnologia de Informação do TSE, Júlio Valente, disse que a reformulação do teste de integridade é uma “pauta da presidência” do tribunal.
Em nota divulgada em julho, o próprio TSE afirmou que adotar a proposta dos militares neste ano seria “inviável”.
Militares que acompanham a discussão com o tribunal dizem, sob reserva, que aplicar a biometria em uma urna por capital é razoável, considerando a proximidade das eleições e as dificuldades logísticas.
Segundo relatos, o presidente do TSE argumentou, no último encontro com Nogueira, que o plano de reformular o teste de poucas urnas se deve ao risco de uma mudança mais ampla às vésperas das eleições causar confusão entre eleitores e aumentar a desconfiança sobre a votação.
Para reformular a análise de mais equipamentos, seria necessário realizar campanha prévia de comunicação, avaliam integrantes da corte. Membros dos tribunais regionais eleitorais afirmam que ainda não sabem dos detalhes do plano de Moraes. Também dizem ter receio de encontrar dificuldade para reformular o teste dias ante do pleito.
Na segunda-feira (20), encerra-se o prazo para os tribunais regionais informarem, em edital, o local onde serão feitos os testes de integridade. Há expectativa de que a resolução proposta por Moraes abra brecha para descumprir esse prazo no caso da auditoria com biometria.
Além disso, os órgãos regionais já têm feito contratos com empresa privada selecionada pelo TSE para acompanhar as auditorias. Também têm convocado servidores para reforçar a equipe que atuará nesse pleito.
Mesmo sem a biometria, o teste de integridade de 2022 era encarado como desafio para os tribunais. Isso porque o TSE decidiu triplicar o número de urnas que serão testadas neste ano, a pedido das Forças Armadas e de outros participantes da CTE (Comissão de Transparência Eleitoral).
O governo Bolsonaro vê uma eventual concessão às Forças Armadas como a moeda de Moraes para aliviar a crise entre o TSE e o Planalto. O próprio TSE, sob presidência de Luís Roberto Barroso, inseriu as Forças Armadas na CTE como forma de tentar legitimar as regras das eleições e reagir às críticas de Bolsonaro.
O presidente, porém, passou a utilizar os questionamentos dos militares à corte para reforçar o discurso contrário ao sistema eletrônico de votação.
Mateus Vargas e Cézar Feitoza / Folhapress