A ocupação de mulheres e negros em ministérios no governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já é maior do que todas as indicações de Jair Bolsonaro (PL) para a Esplanada, apesar de faltarem 16 nomes para completar as 37 pastas.
As indicações de seis mulheres, sendo três negras, e mais quatro homens negros até agora foram bem recebidas por movimentos sociais, em especial pelo currículo dos nomeados. Ativistas e políticas dizem, entretanto, que é necessário que essas pastas tenham orçamento adequado para executarem política pública, sob o risco de serem figurantes da diversidade.
A cientista política Tainah Pereira, do movimento Mulheres Negras Decidem, ressalta que a relevância dos anunciados dá muita visibilidade às pautas de seus cargos e pode ajudar na negociação de recursos para as respectivas pastas.
Mesmo com as disputas internas do PT para ocupar cargos, nomes como o da jornalista e educadora Anielle Franco, irmã da ex-vereadora Marielle Franco, cujo assassinato em 2018 ainda não foi esclarecido, ganharam projeção durante a transição de governo e conseguiram ultrapassar as barreiras políticas.
“Ainda faltam pastas importantes como Meio Ambiente e Povos Originários [a expectativa é de mulheres nas duas pastas]. Apesar de não haver equidade na composição ministerial se pensarmos nos novos padrões de governos da América Latina, a composição trouxe figuras emblemáticas”, diz Tainah.
No Chile, por exemplo, o governo de Gabriel Boric tem 14 mulheres e 10 homens nos ministérios. Um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) revelou que mulheres são apenas 18,6% dos líderes em 12 áreas da administração pública brasileira, a menor do ranking com outras 15 nações da América Latina.
Nesta quinta-feira (22), o presidente eleito nomeou 16 ministros, elevando para seis o número de mulheres na lista da Esplanada, entre elas, três negras, Luciana Santos (Ciência e Tecnologia), Anielle Franco (Igualdade Racial) e Margareth Menezes (Cultura). Entre as nomeadas estão ainda Nisia Trindade (Saúde), Esther Dweck (Gestão) e Cida Gonçalves (Mulheres).
Além de Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública) e Rui Costa (Casa Civil), autodeclarados negros, Lula também indicou o professor Silvio Almeida para a pasta de Direitos Humanos, e Wellington Dias (PT), que se autodeclara indígena, para o Desenvolvimento Social.
Jorge Messias, que comandará a Subchefia para Assuntos Jurídicos, também de autodeclara negro.
Apesar do avanço, a balança entre homens e mulheres e entre brancos e negros ainda não representa numericamente a população brasileira —dentre os anunciados, são dois homens para cada mulher, por exemplo.
Antes de ser alçado novamente ao Planalto, Lula demorou a se comprometer com diversidade caso eleito. Ao mesmo tempo em que prometia criar o Ministério dos Povos Originários, não quis assegurar, durante os debates, que teria uma composição mais diversa na Esplanada.
O petista anunciou esforços para montar uma equipe que representasse mulheres, negros e indígenas somente após a entrada da senadora Simone Tebet (MDB) na campanha, já no segundo turno. A maioria de cargos ocupados por negros e mulheres são considerados do segundo escalão, pastas com menos verba ou destaque na administração pública.
Paula Nunes (PSOL-SP), deputada estadual eleita da Bancada Feminista, destaca a importância de orçamento para os cargos destinados a esses grupos até agora. A tendência é que ministérios como da Igualdade Racial e da Mulher, por exemplo, tenham menos recursos do que as pastas maiores, distribuídas ao núcleo duro de Lula.
“Para além da importância de uma boa composição, é preciso dinheiro para que esses ministérios implementem as políticas públicas necessárias. Não se trata de representatividade pela representatividade, tudo tem de estar aliado a um programa político”, afirma.
A criação do Ministério da Igualdade Racial é vista com bons olhos, principalmente se conseguir dialogar de forma direta com outras pastas, como da Segurança Pública, destaca a deputada eleita.
Duas pautas principais podem dominar discussões ligadas à igualdade racial num primeiro momento. Uma é a Lei de Cotas, que garante vagas a negros e indígenas em universidades e será revisada, e outra é a segurança de jovens negros.
“Será tarefa do Ministério da Justiça estar alinhado com a pasta de Igualdade Racial para que se pense política pública para coibir o homicídio da juventude negra”, diz.
A socióloga Florência Ferrer, especialista em inovação de políticas públicas, afirma que o Brasil incorpora as pautas de raça e gênero na política, mas que o avanço é feito a passos muito lentos, em especial em relação à raça.
“O setor público é muito mais desafiador para essas questões do que o setor privado. Quando se afunila e chega ao topo, há poucos negros e poucas mulheres. A burocracia brasileira ainda é machista ao extremo”, diz.
O desafio da equidade na administração pública, segundo ela, não está só em nomear bons representantes, mas em criar condições para que mulheres e negros estejam disponíveis para poder disputar esses cargos.
Matheus Tupina e Paula Soprana/Folhapress