sábado, novembro 23, 2024

Militares que trabalhavam na Presidência foram a atos golpistas em frente a quartel

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Um relatório em posse do Ministério da Justiça identifica ao menos oito militares da ativa lotados na Presidência da República durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) que compareceram no ano passado a atos no acampamento golpista em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília.

Além disso, o documento mostra que alguns participaram de grupo de WhatsApp em que foram trocadas e compartilhadas mensagens antidemocráticas e ameaças ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O relatório foi produzido durante a transição de governo com base em conversas obtidas de grupos de WhatsApp. Os militares estavam alocados em especial no GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da Presidência durante a gestão do general Augusto Heleno, um dos principais aliados de Bolsonaro.

Alguns dos militares confirmaram à Folha a ida ao acampamento, mas disseram que foram sem farda e negaram que tenham se manifestado politicamente ou apoiado posições antidemocráticas e violentas.

Dois deles tiveram a dispensa da Presidência publicadas no Diário Oficial da União desta quinta-feira (19).

De acordo com o dossiê, várias trocas de mensagens, áudios, vídeos e fotos mostram que esses militares encorpavam os atos antidemocráticos em frente ao QG do Exército. Pelo menos um afirmava intenções violentas contra petistas.

Desde a derrota de Bolsonaro, a área em frente ao quartel-general do Exército se transformou em uma base de bolsonaristas inconformados com o resultado das eleições. Eles pediam um golpe das Forças Armadas para impedir a posse de Lula.

O acampamento abrigou apoiadores de Bolsonaro envolvidos em ao menos três episódios violentos: a tentativa de invasão ao prédio da PF e depredações na região central de Brasília, em 12 de dezembro; a instalação da bomba próxima a um caminhão de combustíveis; e o ataque aos prédios do STF (Supremo Tribunal Federal), Congresso e Palácio do Planalto em 8 de janeiro.

Depois de algumas tentativas bloqueadas pelo Exército, o acampamento foi esvaziado pela Polícia Militar do Distrito Federal em 9 de janeiro, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF. A operação de desmobilização ocorreu um dia após o quebra-quebra na praça dos Três Poderes.

Em um dos grupos de militares, integrantes da própria segurança pessoal do então presidente Bolsonaro aparecem, sem farda e geralmente com camisa da seleção brasileira de futebol, em fotos no QG. Eles encorajaram outros colegas a irem após o expediente com suas famílias para o local.

O dossiê cita ainda um vídeo curto postado num grupo de mensagens em que uma imagem de Lula discursando é colocada na mira de um atirador de elite, sugerindo que o presidente fosse abatido por um sniper no dia 1º de janeiro, data da posse.

Uma das fotos postadas nos grupos mostram o major Alexandre Nunes, apontado como sendo do Exército, o sargento da Marinha Márcio Valverde e uma pessoa identificada como sargento Azevedo, da Aeronáutica.

Sobre Nunes, o dossiê aponta a existência de informes sobre sua atuação com representantes diplomáticos. Ele teria dito a essas pessoas que Lula não subiria a rampa.

Valverde, por sua vez, era da segurança presidencial e foi nomeado em 2020 como assistente no GSI.

Outro que aparece é Ronaldo Ribeiro Travasso. O militar da Marinha estava no GSI quando foi aos atos no acampamento. Como revelou a Folha, ele disse que daria um tiro na cabeça do próprio irmão se ele fizesse o L —gesto característico dos eleitores de Lula.

Da Marinha, os outros citados no documento são Estevão Soares, Thiago Cardoso, Marcos Chiele e Fernando Carneiro Filho.

“Não tô falando isso de brincadeirinha, não, é sério. Quem faz o L é terrorista. Tem que morrer mesmo, ou mudar ou morrer, porque não tem jeito uma pessoa dessa”, diz Travasso em resposta a uma mensagem postada e depois apagada por Estevão.

Nesta quinta, o Diário Oficial trouxe a dispensa de Chiele e Valverde.

MILITARES NEGAM APOIO A MOVIMENTOS ANTIDEMOCRÁTICOS

O 1º sargento da Marinha Thiago Cardoso afirmou que é cristão, que como cidadão tem inclusive críticas ao ex-presidente Bolsonaro e que não participou de manifestação política ou antidemocrática. Ele alega ter participado de orações pelo país nas vigílias realizadas em frente ao quartel.

“Não fui fardado e em nenhum momento me pronunciei ou me manifestei. Fui como um cidadão cristão que defende valores e direitos para fazer orações e conversar com as pessoas. Não concordo com qualquer ilegalidade e jamais concordaria com qualquer prática criminosa. Nesse quesito, posso falar em nome da maioria das pessoas que tive conhecimento de estar ali”, disse.

De acordo com Cardoso —que afirmou ter pedido em novembro para sair do cargo que ocupava no Palácio da Alvorada, o que foi efetivado nesta semana—, a grande maioria das pessoas que estavam no acampamento não pregava golpe.

“Não havia uma liderança ou alguém com planos de fazer alguma coisa. Percebi que as pessoas ali estavam ansiosas por informações no celular que legitimassem uma participação das Forças Armadas na defesa da democracia, porque não acreditaram na lisura do processo eleitoral.”

O militar da Marinha Estevão Soares afirmou que saiu do grupo de WhatsApp tão logo percebeu o desvio de finalidade e por não concordar com o conteúdo de algumas postagens.

“De forma alguma concordo ou defendo qualquer postura antidemocrática ou de natureza violenta. Pauto-me pela discrição, princípio e conduta ilibada e disciplinada que sempre tive como cristão e cumpridor das prerrogativas militares”, afirmou.

Soares disse que muito provavelmente esteve uma vez no acampamento no início de novembro, a pedido da mulher e filhos e sem qualquer motivação de natureza política. Segundo ele, o objetivo foi apenas participar de um grupo de oração e passear pela praça dos Cristais, área onde o acampamento se instalou.

Travassos não se manifestou. Em contato anterior, disse que não comentaria suas falas e que não sabia se era ele mesmo nos áudios. A Folha não conseguiu contato com os demais citados.

A Marinha disse não ter sido notificada sobre servidores presos por envolvimento em atos antidemocráticos e apontou de forma genérica a possibilidade de aplicações de sanções por desvio de conduta.

“Nesse sentido, as providências são tomadas de acordo com o caso concreto, após conclusão de eventual processo administrativo disciplinar, com o exercício da ampla defesa e do contraditório, para, se for o caso, aplicação de sanções pertinentes”, afirmou.

Exército, Secretaria de Imprensa da Presidência e Ministério da Defesa não responderam. A Aeronáutica disse que só poderia se manifestar caso houvesse o nome completo do militar.

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Ranier Bragon e Victoria Azevedo / Folha de São Paulo

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