Escolas e redes de ensino do país têm reagido de diferentes formas a boatos e mensagens de ameaças que circulam nas redes sociais que anunciam supostos ataques para esta quinta (20). Enquanto algumas alteram a programação e até suspendem aulas para tranquilizar pais e alunos, outras mantêm suas atividades e reforçam comunicação sobre medidas de segurança.
Secretarias de Educação negam qualquer possibilidade de ocorrência e lamentam disseminação de conteúdos falsos na internet, mas algumas instituições optaram pelo cancelamento de aulas e de provas e emitem comunicados sobre o tema para aplacar a onda de pânico que começou após dois recentes atentados em São Paulo e em Santa Catarina e se intensificou nesta semana.
O motivo da maior apreensão nessa data é a lembrança de dois eventos: o massacre de Columbine, que resultou na morte de 15 pessoas nos Estados Unidos em 1999, e o aniversário do ditador nazista Adolf Hitler. A preocupação é com o chamado efeito contágio, quando informação sobre um ataque pode incentivar planos similares.
Estudo sugere que a difusão de rumores está ligada a uma ação orquestrada para gerar medo sobretudo em pais, e o governo federal diz que quase 800 perfis nas redes sociais dedicados a reproduzir mensagens de ódio foram derrubados nos últimos dez dias.
Na cidade de Guarulhos, na Grande São Paulo, a prefeitura liberou escolas a adiantarem para esta quinta seus conselhos de classe, anteriormente marcados para o próximo dia 28, suspendendo assim as aulas.
Em cartilha encaminhada às coordenações no início desta semana, a gestão municipal ressalta que o objetivo do boato é “propagar medo, ansiedade e confusão” e que os educadores devem promover o diálogo para evitar transformar “um drama em uma nova tragédia”.
A possibilidade de mudança no calendário foi acatada pela escola municipal Gabriela Mistral, no bairro de Recreio São Jorge, onde são oferecidas aulas para os anos iniciais do ensino fundamental. Lá, preocupados, pais pressionavam por algum posicionamento dos gestores.
“Era o mínimo. Meu filho estava assustado. Isso me machuca muito, ver meu filho apavorado de ir a um lugar que deveria ser feliz”, diz Márcia Santos, 42, mãe de um aluno.
Escolas estaduais paulistas podem seguir o mesmo enredo. Segundo a secretaria da Educação, as unidades encerram o primeiro bimestre letivo nesta quinta. De praxe, as gestões realizam no dia o conselho de classe.
A definição da data e do modelo da reunião é de livre escolha da escola. Os locais que não a realizarem seguirão com dia letivo regular. Nesses casos, “as escolas da rede seguem atentas aos comportamentos dos estudantes, atuando com a escuta ativa e mediação, buscando solucionar possíveis conflitos” e contam com apoio das polícias, diz a secretaria.
Já a Prefeitura de São Paulo está incentivando as unidades da sua rede, que funcionam normalmente, a promoverem ações de incentivo à paz, como rodas de conversa com a participação de pais e responsáveis.
Nas escolas particulares, a conduta varia. A reportagem entrou em contato com cinco dos principais colégios de São Paulo. Todos afirmam seguir com sua programação, mas alguns emitiram aos pais comunicados em que desmentem boatos e destacam estarem atentos à segurança, casos dos tradicionais Bandeirantes e Arquidiocesano.
Entretanto, há situações em que, pela possibilidade de maior abstenção, provas foram adiadas. Foi o que ocorreu na rede de escolas Luminova, com duas unidades na capital paulista.
Em nota, a Luminova diz que, apesar da remarcação das avaliações “devido à comoção dos pais, que temendo os boatos não se sentem confortáveis em enviar os filhos a escola”, as aulas desta quinta estão mantidas normalmente e a orientação é que os alunos compareçam.
A decisão de apenas remarcar as provas não agradou a Karen Gallão, 31, mãe de um aluno da unidade Barra Funda, na zona oeste de São Paulo, que diz que não se devem minimizar situações como essa.
“A escola não pode tratar isso como pouca coisa. Não se deve dialogar com aquilo que é inegociável”, diz. “A segurança física das crianças precisa ser preservada, assim como a segurança psicológica das famílias, que mal conseguem sair para trabalhar por preocupação.”
No Rio de Janeiro, a Recreio Christian School, no Recreio dos Bandeirantes, bairro da zona oeste carioca, marcou aulas online.
Gabriel Frozi, CEO da unidade, diz que os pais ficaram muito preocupados com os boatos. “Como há preocupação por tudo o que é compartilhado, todas as ameaças de ataques a vários locais, eu achei mais seguro não abrirmos amanhã para os alunos. O importante é que o pânico não se instale”.
Pelo país, outras secretarias de Educação emitiram notas lamentando a amplitude dos boatos e anunciando atividades normais para esta quinta.
Em Minas Gerais, por exemplo, os estudantes devem participar de rodas de conversa, atividades de integração, oficinas e palestras para promoção de um ambiente acolhedor.
Ainda que os elementos indiquem que os avisos que circulam sejan falsos, especialistas e autoridades orientam que toda ameaça seja denunciada à Polícia Civil e nos canais criados pelo Ministério da Justiça para que seja investigada. Quem produz e até mesmo quem compartilha essas mensagens podem responder por contravenção.
AÇÕES DE SEGURANÇA
Para Joana Monteiro, coordenadora do Centro de Ciência Aplicada à Segurança Pública da Fundação Getulio Vargas, é preciso separar os problemas de violência no ambiente escolar da onda de pânico gerada pela boataria nas redes sociais.
“Há indicações de que há pessoas deliberadamente promovendo esse pânico, o que colocou todo mundo a ter que responder a isso, e os alunos começaram a faltar à escola, muito assustados”, diz.
Por isso, na avaliação dela, ações como implantar detectores de metal ou policiais armados nas escolas são pouco efetivas. Apesar de medidas desse tipo terem sido anunciadas em cidades como Cajamar e São Bernardo do Campo, elas foram descartadas pelo governo paulista e pela prefeitura da capital. “Infelizmente esse é um problema mais estrutural, e respostas rápidas não darão conta dele”, diz.
A Polícia Federal diz manter arduamente seus esforços de monitoramento e troca de informações sobre ameaças de atentados com os órgãos e instituições que compõem a Operação Escola Segura, coordenada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Nesta quarta-feira (19), agentes de cinco estados brasileiros cumpriram dez ordens para internações provisórias, 13 mandados de busca e apreensão e 11 afastamentos de sigilo de dados contra adolescentes entre 11 e 17 anos por suspeita de ameaça, incitação ao crime, apologia ao crime e associação criminosa.
Nos Estados Unidos, desde o ataque de Columbine, que completa 24 anos nesta quinta, estados aumentaram as regras sobre segurança nas escolas e implementaram políticas de saúde mental para evitar casos do tipo, mas mesmo assim houve 377 ataques a escolas no país, segundo monitoramento do jornal americano Washington Post.
O número de casos vem crescendo ano a ano: foram 42 tiroteios em escolas em 2021 e 46 em 2022, recorde até aqui.
Em 2023, já foram 18 episódios do tipo. O mais recente aconteceu no fim de março em Nashville, no Tennessee, quando três crianças e três adultos foram mortos.
Segundo Justin Heinze, diretor do Centro Nacional para Segurança nas Escolas e professor da Universidade de Michigan, é preciso agir com base em evidências, e medidas de segurança adotadas desde o ataque não indicaram um aumento na prevenção de tiroteios.
“As formas de prevenção que defendemos hoje em dia envolvem o ambiente escolar, desenvolver a confiança de professores e até alguns alunos que possam avaliar as ameaças, acionando grupos multidisciplinares que possam atender alunos se houver a avaliação de que são um perigo para si ou para outros”, diz.
Ele também cita serviços de primeiros socorros para saúde mental e até denúncias anônimas para prevenir ataques —como as que podem ser feitas pelo canal criado pelo Ministério da Justiça.
“Não estamos dizendo que você precisa simplesmente acabar com qualquer tipo de estratégia dura de dissuasão, como políticas para os professores trancarem as portas das salas de aula ou ter policiais nos prédios. Mas pelo menos em termos de prevenção há menos evidências de que podem ser eficazes”, diz.
O QUE FAZER EM CASO DE AMEAÇA DE ATAQUE A ESCOLAS
- Especialistas afirmam que ameaças não devem ser ignoradas. Por isso, é importante que os pais e escolas procurem a Polícia Civil e canais criados pelo Ministério da Justiça para denunciar qualquer tipo de ameaça
- Não compartilhe mensagens, vídeos, fotos ou áudios com as ameaças
- As autoridades precisam ser notificadas sobre qualquer tipo de ameaça, pois quem as produz ou compartilha também pode responder criminalmente
- Pais, alunos e escolas devem manter diálogo estreito sobre alertas, receios e medidas adotadas. A transparência das ações é importante para aumentar a sensação de segurança
- Fique atento e informe ao colégio qualquer mudança no comportamento dos alunos
COMO DENUNCIAR
- Como parte da Operação Escola Segura, o Ministério da Justiça lançou um canal no site para que sejam denunciados sites, blogs e publicações nas redes sociais. O site para denúncia é o www.mj.gov.br/escolasegura
Bruno Lucca/Laura Mattos/Thiago Amâncio/Folhapress