A derrota do governo no decreto do saneamento na Câmara dos Deputados, no início de maio, evidenciou uma divisão no Palácio do Planalto entre os ministros da Casa Civil, Rui Costa (PT), e da SRI (Secretaria de Relações Institucionais), Alexandre Padilha (PT).
A avaliação de auxiliares do governo é que a derrota expôs, por um lado, a falta de habilidade de Costa; por outro, a fragilidade de Padilha dentro do próprio governo para fazer valer as estratégias da articulação política no Congresso.
A crítica à Casa Civil ocorre porque o texto vetado pelos deputados é visto por assessores palacianos como um projeto quase que pessoal de Costa, que foi quem gestou a proposta —mas sem combinar com parlamentares antes.
Nos bastidores, parlamentares governistas e assessores palacianos alegam que anunciaram com antecedência que a derrubada das mudanças do governo via decreto era um risco no Legislativo.
No entanto, também há a leitura de que a pasta das Relações Institucionais deveria ter ressaltado de maneira mais enfática que os decretos gerariam riscos ao Planalto e, por isso, convencido o presidente Lula (PT) a não assiná-los.
O placar alargado contra o governo também tornou-se argumento contra a atuação de Padilha: foram 295 votos contra a manutenção do decreto e 136 favoráveis.
Procurados, Rui Costa e Alexandre Padilha não se manifestaram.
A avaliação de líderes do Congresso é a de que o resultado da votação deixou claro o tamanho da bancada governista na Câmara quando o PT não conta com a ajuda de partidos do centrão, que agem sob liderança do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
O titular da articulação política, nos dias seguintes, buscou minimizar a derrota e afirmou que o que mais interessa ao governo é um conjunto de vitórias em matérias mais importantes.
“É raríssimo time ser campeão invicto. Em um campeonato você perde, você empata. Para ser campeão, você não pode perder a final”, disse Padilha a jornalistas no Palácio do Planalto. Costa, por sua vez, admitiu erro, mas atribuiu a derrota à falta de reuniões.
“Eu acho que temos que reconhecer um erro nosso. Eu tinha pedido duas ou três vezes que nós fizéssemos antecipadamente uma reunião com líderes para apresentar o decreto. E pelo excesso de trabalho e pela agenda dos parlamentares não conseguimos fazer essa reunião com antecedência. E permitiu que a desinformação tomasse conta”, afirmou o ministro da Casa Civil, em entrevista à GloboNews.
Tratou-se da primeira vez que Rui Costa assumiu uma parte do ônus pela maior derrota do governo nos primeiros cinco meses de gestão.
Agora, o Palácio do Planalto tenta reverter a derrubada dos decretos no Senado.
O Executivo chegou a avaliar um plano B, como a apresentação de um projeto de lei ou medida provisória. Mas o próprio Congresso já sinalizou que rejeitaria uma medida provisória –modalidade com eficácia imediata, mas que demanda aval posterior dos parlamentares para continuar válida.
Em um movimento incomum, Costa assumiu para si a articulação política do saneamento no Senado. Interlocutores no Planalto negam que o chefe da Casa Civil tenha sido abandonado na questão do Marco do Saneamento, mas, por outro lado, ressaltam que ficou claro que ele deveria ser o principal defensor da proposta.
Ele foi recentemente ao Senado tentar esclarecer pontos com líderes de bancada. Além disso, articulou a participação do ministro Jader Filho (Cidades) em audiências sobre o tema naquela Casa legislativa.
Um líder influente no Senado afirma que o ministro não sinalizou no encontro que o governo poderia recuar na proposta de decreto e substituí-lo pelo envio de um projeto de lei, apesar de ter sido cobrado por isso pelos senadores.
Os representantes das bancadas também deixaram claro para o ministro que a fonte de irritação no Congresso foi com a forma como as mudanças no Marco do Saneamento foram feitas, por meio de decreto.
A prioridade atual do Palácio do Planalto, porém, não são as mudanças na lei do saneamento, mas garantir uma ampla vitória no arcabouço fiscal, novas regras para substituir o teto de gastos. A urgência do projeto foi aprovada por 367 votos a 102 na Câmara dos Deputados.
Na próxima semana, a o Congresso deve analisar o mérito da proposta. A expectativa no Executivo é que uma vitória nesse tema melhore o clima do Planalto com o Legislativo. Os deputados de centro já deixaram claro nos bastidores, porém, que a proposta deve ter apoio massivo de parlamentares por envolver um debate importante para a economia e pelo fato de o texto ter um viés que agrada o mercado e a iniciativa privada.
Caso o Executivo não libere a nomeação de indicados dos deputados em cargos nos estados e no segundo escalão de Brasília, outras derrotas devem ocorrer, segundo líderes do Parlamento.
Os congressistas também cobram do Planalto celeridade na liberação de emendas parlamentares.
A articulação política vem sendo alvo de críticas há semanas. A derrubada do decreto do saneamento apenas expôs uma irritação que vem desde o início do ano.
No início de maio, Lira afirmou que o principal problema do governo Lula é a articulação política. Para ele, os ministros fazem diversas reuniões, mas tomam poucas decisões diante de cenários complexos.
“O governo Lula tem algumas facilidades de articulação, mas, ao mesmo tempo, esse é o maior problema do governo. Ele reúne, reúne, reúne e não decide”, disse.
Lira ainda afirmou que o governo Lula precisa entender que a relação do Executivo com os demais Poderes mudou de 2002 para 2023, com leis e estruturas que “modificaram o comando do país”; e que o governo precisa se “moldar” ao novo momento da democracia brasileira.
Marianna Holanda/Matheus Teixeira/Renato Machado/Folhapress