Lideranças públicas femininas têm até 35% menos chances de se envolver em casos de corrupção do que as masculinas, enquanto líderes negros propõem três vezes mais leis e políticas públicas dedicadas à inclusão do que os não negros.
Os dados são de um levantamento realizado pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper a pedido da Fundação Lemann.
Os pesquisadores analisaram 95 estudos nacionais e internacionais sobre diversidade de gênero e raça na política e no mercado de trabalho, que foram publicados em livros e revistas acadêmicos ao longo dos últimos 20 anos.
Segundo Deloise de Jesus, líder de equidade racial da Fundação Lemann, o levantamento mostra como políticas públicas podem ser mais efetivas quando grupos minorizados estão no poder.
“Essa síntese de evidências é muito preciosa, no sentido de fazer as pessoas entenderem que ter mulheres e pessoas negras em posições de tomada de decisão é uma necessidade da nossa sociedade.”
De acordo com o levantamento do Insper, a eleição de mulheres para cargos políticos repercute na redução da corrupção e do clientelismo nos postos do poder Executivo municipal.
Candidatas eleitas tendem a receber menos contribuições de campanha do que seus colegas homens, mas apresentam resultados semelhantes na implementação de políticas, aponta a pesquisa com base em dados de eleições e do Índice de Transparência Municipal.
A relação entre representação feminina e menores níveis de corrupção já havia sido relatada por um outro levantamento que avaliou mais de 100 países em 2001. Na época, foi observado que, quanto maior a representação feminina no governo, menores os níveis de corrupção.
Ainda segundo a pesquisa do Insper, mulheres em cargos de liderança política tendem a investir até 7% a mais do que homens em bens públicos como saúde e educação, diminuir em até 24% a mortalidade infantil, além de reduzir em até 32% o déficit de gênero na educação entre adolescentes, e, em 25%, entre adultos.
Líderes do sexo feminino apresentam maior preocupação em promover propostas e ações relacionadas a saúde voltadas a mulheres e crianças quando estão em legislaturas estaduais. Isso melhora a qualidade dos serviços de saúde pré-natal e infantil nos distritos onde são eleitas.
Ao analisar a relação entre o gênero do representante político e o número de nascimentos, um estudo realizado na Índia e publicado em 2014 descobriu que um crescimento de 10% no número de mulheres na política resulta em uma redução de 2,1% na mortalidade neonatal e na elucidação das causas dessas mortes.
Já pessoas negras eleitas tendem a propor o triplo de leis e políticas públicas dedicadas à inclusão do que lideranças não negras.
A eleição de prefeitos negros em municípios brasileiros tem um efeito positivo na educação e na representação política local.
Dados coletados nas eleições municipais de 2016, as primeiras a incluir informações sobre a autodeclaração racial dos candidatos, mostram um aumento no número de estudantes do ensino médio que se inscreveram no Enem em cidades comandadas por pessoas negras.
O estudo mostrou ainda um aumento na proporção de candidatos autodeclarados negros concorrendo ao cargo de deputado estadual nos municípios onde pretos e pardos se elegeram como prefeitos.
Políticos negros também são mais propensos a responder a população, mesmo quando não houver possibilidade de ganho político, enquanto não negros tendem a responder menos quando não percebem vantagens envolvidas.
O dado parte de um estudo de auditoria realizado pelo cientista político David Broockman, da Universidade da Califórnia.
Para Michael França, doutor em teoria econômica pela USP, colunista da Folha e coautor do levantamento do Insper, a discriminação é um dos maiores empecilhos para o aumento de mulheres e negros na política.
Ele defende que políticas públicas voltadas à diminuição das desigualdades podem gerar oportunidades reais de candidatura e eleição desses grupos.
“A gente precisa criar esses mecanismos, tanto na política, quanto em outros espaços, para fazer com que grupos historicamente marginalizados tenham espaço. Na política, isso é importante porque, a exemplo dos Estados Unidos, quando se elege negros, há um crescimento na destinação de recursos para educação, hospitais e mobilidade urbana, o que beneficia toda a população.”
Um aumento na representatividade também influência no engajamento político. A vitória de mulheres nas eleições municipais brasileiras de 2012 e 2016 contribuiu para o aumento do registro de votos entre adolescentes.
Quando uma mulher se elege à prefeitura, um número maior de adolescentes do sexo feminino se registra para votar na eleição seguinte, mesmo se for facultativo. Já a derrota dessas candidatas tem um efeito contrário. Segundo o estudo, isso foi mais forte em municípios com maior desigualdade de gênero.
Homens e mulheres negros também tendem a aumentar em até 2% o engajamento político de pessoas pretas e pardas na região onde atuam e impulsionam em até 1,8% a participação de trabalhadores negros no mercado.
Apesar de a população negra e feminina ser maioria no Brasil, respectivamente 56% e 51%, segundo o IBGE, a participação de mulheres, pretos e pardos na política do país é pequena.
Em quase 40 anos desde a redemocratização, a cúpula da República foi comandada por 66 homens e 4 mulheres e continua majoritariamente masculina, considerando os poderes Legislativo, Judiciário e Executivo.
A implantação de ações afirmativas para estímulo à participação feminina teve início nos anos 1990, com a obrigatoriedade de haver no mínimo 25% de candidaturas de mulheres nas disputas proporcionais (Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e Câmara dos Deputados).
Em 2000, o número subiu para 30%, mas os partidos não precisavam distribuir de forma equânime os valores entre concorrentes.
Só em 2018 o Supremo definiu a necessidade de repassar verba de campanha proporcionalmente ao número de candidatas, mas é recorrente a existência de candidaturas laranja, nas quais mulheres são levadas a repassar suas verbas a candidaturas masculinas.
Em entrevista à Folha, Edilene Lobo, primeira mulher negra a se tornar ministra do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), afirmou que não se pode mais tolerar a existência de candidaturas fictícias, e o sistema de Justiça precisa trabalhar para que isso deixe de acontecer.
“Pessoas que se colocarem propositadamente para fraudar essa ação afirmativa têm que responder pela sua conduta e, sob um outro aspecto —porque a pena por si só é pouco efetiva—, precisamos investir na formação e na capacitação das mulheres, [para que acreditem ser capazes de se eleger].”
Já em 2020, o TSE decidiu pela obrigatoriedade de repasses do Fundo Eleitoral proporcionais à quantidade de negros e brancos, aplicando a regra também ao tempo de exposição nos meios de comunicação. Surgiram, entretanto, registros irregulares, inflando o número de pretos e pardos na Câmara.
Paola Ferreira Rosa / Folha de São Paulo