Questão será discutida ao longo do primeiro trimestre
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) irá realizar ao longo do primeiro trimestre de 2024 debates para regulamentar o uso de inteligência artificial (IA) nas próximas eleições, de acordo com o presidente da corte, Alexandre de Moraes. A intenção, de acordo com o ministro, é que candidatos que utilizarem essa tecnologia para desinformar os eleitores sejam punidos.
“Não sejamos ingênuos em achar que, se não houver regulamentação, aqueles que pretendem chegar ao poder a qualquer custo não se utilizarão das suas milícias digitais agora com esse novo componente que é a utilização da inteligência artificial”, disse o ministro, que participou nesta segunda-feira (4) do seminário Inteligência Artificial, Desinformação e Democracia, no Centro Cultural da Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro.
Em outubro de 2024, serão realizadas as eleições municipais em todo o país. Serão eleitos tanto os próximos prefeitos quanto os vereadores que atuarão nas casas legislativas. Moraes é favorável a punições severas para aqueles que utilizarem inteligência artificial para criar vídeos, áudios e demais informações falsas. Caso seja comprovada a fraude, o ministro defende que seja cassado o registro dos candidatos. Se já tiverem sido eleitos, defende que haja a cassação do mandato e a inelegibilidade, além de responderem a sanções penais.
Com a inteligência artificial é possível, por exemplo, modificar vídeos de candidatos adversários, fazendo-os dar declarações que nunca deram. “Imagina quantas pessoas poderão ser bombardeadas com notícias fraudulentas, com desinformação, mas desinformação a partir de um vídeo de fala com quase certeza de veracidade. A agressão é muito grande. Essa agressão, principalmente com a utilização da inteligência artificial, pode realmente mudar o resultado eleitoral, pode desvirtuar o resultado eleitoral em eleições polarizadas”, disse Moraes.
A questão será discutida ao longo do primeiro trimestre no TSE, para que possa ser aplicada nas eleições no segundo semestre. Participarão das discussões especialistas como juristas, cientistas políticos, profissionais da mídia e políticos.
Os usos da IA
Os diversos usos da inteligência artificial e os riscos que ela pode trazer foram o centro do debate no primeiro dia do seminário, que continua nesta terça-feira (5). Para os debatedores, além do papel do Judiciário, a regulamentação via Congresso Nacional é essencial e trará respostas mais concretas para o combate ao mau uso de ferramentas digitais.
Recentemente, dois projetos de lei ganharam grande repercussão, o Projeto de Lei 2630, de 2020, apelidado de PL das Fake News, em tramitação na Câmara dos Deputados, que visa, entre outras medidas, à responsabilização das grandes plataformas digitais pela veiculação de notícias e informações falsas, e o Projeto de Lei 2338, de 2023, em tramitação no Senado Federal, que trata da regulamentação da IA.
“Toda a ferramenta, toda arma, tem poderes para serem bem utilizados ou mal utilizados. A internet não é diferente. Precisamos de uma regulamentação clara, transparente, que respeite a liberdade da internet, mas que possa alcançar pessoas que usam de maneira equivocada a tecnologia da inteligência artificial”, disse o diretor adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alessandro Moretti.
Já Moraes enfatizou a necessidade da responsabilização das plataformas digitais pelos conteúdos ali veiculados. “A medida que monetizam, que ganham dinheiro em cima disso, a medida que que seus algoritmos direcionam para determinada notícia, não são mais depósitos, são partícipes da divulgação desses artigos, dessas notícias e desses vídeos. E, se economicamente faturam em cima disso, civil e penalmente devem ser responsabilizadas por abusos”, defendeu.
Jornalismo profissional e educação midiática
O combate à desinformação, segundo os palestrantes, passa também pela valorização do jornalismo profissional como fonte confiável de informação e pela educação midiática, para que o público possa ter tanto uma consciência crítica para o consumo de informações como para a produção e o compartilhamento de conteúdos.
“O jornalismo sempre foi central na construção do que é real. Possíveis narrativas do real sempre foram compartilhadas. A gente está no nível de fragmentação e distorção do real”, disse a secretária-geral da Advocacia-Geral da União (AGU), Clarice Calixto, que acrescentou: “A educação midiática passa pela revalorização do jornalismo profissional.”
Nesse sentido, o diretor-presidente substituto da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Jean Lima, ressaltou a importância do jornalismo profissional chegar a todos: “A verdadeira democracia demanda que a liberdade de imprensa seja defendida, o acesso à informação e aos meios de comunicação é crucial em uma sociedade democrática pautada pelos princípios de direitos humanos”, disse. “A liberdade de imprensa não deve ser privilégio reservado a alguns, mas um direito incontestável para toda a coletividade. É preciso criar regulamentos que garantam a diversidade e promovam a democratização do acesso aos meios de comunicação”, completou.
A superintendente de Comunicação Digital da EBC, Nicole Briones, complementou que, para que a sociedade tenha acesso tanto a informações quanto a ferramentas como a inteligência artificial, de forma crítica, a educação midiática é um caminho fundamental.
“É pela base que a gente vai corrigir isso e a gente vai criar uma sociedade a partir do foi essa geração. Essa geração teve que lidar com remendo. A gente tem que fazer logo uma regulamentação porque é preferível que a gente tenha uma regulamentação picada, que vá construindo isso, do que continuar numa terra sem lei que vai sendo inundada por novas plataformas, novos aplicativos, novas ferramentas com diversas funcionalidades”, disse.
O seminário Inteligência Artificial, Desinformação e Democracia segue nesta terça-feira, no Centro Cultural da Fundação Getulio Vargas, em Botafogo, no Rio de Janeiro. O evento é realizado pela Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV (FGV EMCI), pela EBC e pela FGV Conhecimento, em parceria com o Democracy Reporting International (DRI) e a Agência Lupa.
Agência Brasil