A Polícia Federal perguntou ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se ele é cisgênero no depoimento de quinta-feira (22) sobre o planejamento de um golpe de Estado.
Segundo relatos feitos à reportagem, Bolsonaro disse que não sabia o que significava a palavra. Os delegados e escrivão deram risada da situação e explicaram o termo, ainda segundo pessoas que acompanham o caso.
O ex-presidente então confirmou que é cisgênero. Depois, os advogados apresentaram uma petição que dizia que Bolsonaro permaneceria em silêncio por não ter recebido todos os documentos que compõem a investigação —como a íntegra da delação do tenente-coronel Mauro Cid.
A Polícia Federal afirmou, em nota, que a pergunta se tornou praxe em depoimentos desde 31 de outubro, quando a corporação alterou o cadastro de pessoas no sistema judiciário nos campos “identidade de gênero” e “orientação sexual”.
O termo “cisgênero” designa quem não é pessoa trans, travesti ou não binária, ou seja, quando há identificação com o sexo biológico.
“As alterações realizadas decorreram de uma série de fatores, dentre eles solicitações e consultas externas e internas recebidas pela Polícia Federal acerca dos instrumentos de levantamento de dados nos sistemas da Polícia Federal na temática da violência LGBTQIA+, bem como ação nacional do Ministério Público Federal destinada a promover a ‘implementação de políticas públicas de proteção à população LGBTQIA+ pelos órgãos federais e estaduais de segurança’”, diz a polícia.
Apesar de a PF dizer que a pergunta é um procedimento padrão, as defesas de dois outros investigados afirmaram à reportagem que seus clientes não foram questionados sobre o gênero.
Bolsonaro chegou à sede da PF em Brasília por volta das 14h20, dez minutos antes do horário marcado. Com a decisão dele de se manter em silêncio, o depoimento foi encerrado pouco depois.
A maioria dos investigados adotou a mesma decisão e permaneceu calada.
O advogado de Bolsonaro, Paulo Bueno, disse na quinta que a defesa não teve acesso a todos os elementos das imputações contra o ex-presidente, o que motivou a opção pelo silêncio. Ele também afirmou que o ex-presidente “nunca foi simpático a movimento golpista”.
“Esse silêncio, quero deixar claro, não é simplesmente o uso do direito constitucional, mas estratégia baseada no fato de que a defesa não teve acesso a todos os elementos que estão sendo imputados ao presidente a prática de certos delitos”.
O advogado completou: “A falta de acesso a esses documentos, especialmente às declarações do tenente-coronel Mauro Cid, e as mídias eletrônicas obtidas pelos celulares de terceiros e computadores impedem que a defesa tenha o mínimo conhecimento de por quais elementos o presidente é convocado para este depoimento”.
A PF investiga as tratativas por um golpe de Estado desde que encontrou na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, em janeiro de 2023, uma minuta de decreto para Bolsonaro instaurar estado de defesa na sede do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
O objetivo seria reverter o resultado da eleição em que ele foi derrotado por Lula (PT), segundo os investigadores.
Com a delação de Mauro Cid e as provas obtidas em outras operações, a PF chegou à conclusão de que Bolsonaro teve acesso a versões da minuta golpista (não exatamente a mesma que estava com Torres).
De acordo com as investigações, ele chegou a pedir modificações no texto e apresentar a proposta aos chefes militares, para sondar um possível apoio das Forças Armadas à empreitada.
Folhapress