A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (20) o projeto que acaba com a saidinha temporária para presos em datas comemorativas, além de exigir exame criminológico para mudança de regime.
O projeto foi aprovado em votação simbólica. Como o texto já tinha passado pelo Senado, ele agora segue para sanção do presidente Lula (PT).
Por um lado, uma ala política ligada ao governo defende que a medida seja sancionada integralmente por considerar que um eventual veto seria derrubado e ainda acirraria o clima com o Congresso.
Por outro, porém, há uma tendência de que o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, que chefia a pasta responsável pelos presídios federais, recomende o veto.
Além disso, ministros mais ligados à esquerda também pressionam para que Lula não ceda à pressão da ala conservadora do Parlamento e mantenha uma coerência com o discurso progressista sobre a necessidade de implementação de medidas de ressocialização de presos.
O texto na Câmara estava sob relatoria de Guilherme Derrite (PL-SP), que foi exonerado do cargo de secretário da Segurança Pública do estado de São Paulo para reassumir a vaga de deputado federal e relatar o projeto contra saída temporária de presos.
Foi sob sua relatoria que o texto foi aprovado em agosto de 2022, e o projeto voltou para a Câmara após mudanças no Senado.
“O impacto maior que estou preocupado é o da sociedade, se houver um impacto financeiro, por qualquer que ele seja, nada vai trazer de volta a vida de milhares de pessoas que morreram nas mãos de criminosos beneficiadas pela saída temporária”, disse ele à reportagem.
O projeto teve apoio da ala conservadora da Casa, sob o discurso de endurecimento de penas criminais. Já os deputados aliados do governo foram contrários à proposta sob argumento de que acabaria com mais um direito dos presos e não reduziria os índices de criminalidade.
“Aqui se busca tirar a saidinha sem considerar, inclusive, que a pessoa que utiliza o benefício já está em contato com a sociedade. Com a saída, o preso pode ressignificar a sua trajetória”, disse Erika Kokay (PT-DF).
A primeira versão do projeto aprovado pela Câmara acabava com qualquer tipo de saída temporária para presos do sistema semiaberto, como as saídas em datas comemorativas —as chamadas “saidinhas”—, além de saídas para estudar e trabalhar.
O benefício da saída temporária é concedido há quase quatro décadas pela Justiça a presos do sistema semiaberto que já tenham cumprido ao menos um sexto da pena, no caso de réu primário, e um quarto da pena, em caso de reincidência, entre outros requisitos.
Menos de 5% dos detentos que tiveram direito à saidinha de Natal em 2023 não retornaram aos presídios no Brasil, taxa considerada baixa por especialistas.
O projeto também previa o exame criminológico —que abrange questões de ordem psicológica e psiquiátrica— como requisito para a progressão de regime.
No Senado houve um acordo, e a nova redação do projeto continuou colocando fim às saidinhas em datas comemorativas, mas manteve a autorização para estudar e trabalhar fora do sistema prisional. Além de manter o exame para progressão de regime.
Atualmente, a legislação nega o benefício a indivíduos condenados por crimes hediondos com resultado de morte. A nova proposta busca estender essa restrição também aos casos de crimes cometidos com violência ou grave ameaça.
Por conta das mudanças, o texto precisou passar novamente pelo plenário da Câmara. Ele foi aprovado na Casa sem alterações.
O tema se tornou foco de discussões e mobilizou setores da classe política após a morte do sargento da Polícia Militar Roger Dias da Cunha, 29, baleado durante uma perseguição por um homem que estava em saída temporária em Belo Horizonte.
Outro caso que gerou repercussão foi a fuga de dois dos condenados por chefiar a maior facção de tráfico de drogas do Rio de Janeiro, Saulo Cristiano Oliveira Dias, 42, conhecido como SL, e Paulo Sérgio Gomes da Silva, 47, o Bin Laden, após o direito a saidinha de Natal.
Mais de 60 entidades, movimentos e órgãos públicos que atuam no sistema prisional expressam preocupação em relação ao projeto. Segundo entidades, a previsão de exigência para realização de exame criminológico para toda e qualquer progressão de regime fará com que os processos tramitem de forma ainda mais lenta.
Atualmente, segundo as entidades, os exames criminológicos demoram, no mínimo, quatro meses para serem elaborados, em razão da precarização das equipes técnicas das unidades prisionais. Ao menos 296 unidades prisionais brasileiras não possuem nenhum servidor de psicologia contratado, totalizando 19,3% das unidades.
Derrite disse à reportagem que não sabe se o projeto terá impacto financeiro.
“Eu não sei qual é o impacto financeiro disso, tenho certeza que o estado vai fazer um ótimo investimento [contratação de psicólogos] porque vai restringir que criminosos que hoje não têm critério nenhum [para saída], apenas o bom comportamento, saiam”, disse.
ENTENDA O QUE MUDA NA SAIDINHA
Como é
- Vale para presos do regime semiaberto que tenham cometido qualquer tipo de delito, exceto para casos de crime hediondo com resultado em morte;
- Podem sair temporariamente em datas comemorativas, para visita à família, cursos profissionalizantes e atividades de ressocialização quem cumprir os seguintes requisitos: 1) comportamento adequado; 2) cumprimento de 1/6 da pena em caso de réu primário e 1/4 se for reincidente; 3) obtiver autorização judicial;
- Progressão de regime: exame criminológico é exceção, a lei não impõe, mas pode ser exigido pelo juiz mediante decisão fundamentada.
Como fica
- Além dos crimes hediondos, também ficam vedadas saidinhas para condenados por crimes com violência ou grave ameaça;
- Acaba com saidinhas em datas comemorativas e permite apenas saídas temporárias para estudos e trabalho externo;
- Progressão de regime: obriga o detento a passar por exame criminológico.
Raquel Lopes/Folhapress