Na intenção de combater desinformação sobre as enchentes Rio Grande do Sul, o governo Lula (PT) busca assinar com as big techs acordo de intenções de lógica semelhante aos feitos pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2022 para combater fake news eleitoral.
Entre as medidas propostas pela AGU (Advocacia-Geral da União) está a criação de um canal direto de comunicação entre governo e plataformas.
A exemplo de como funcionaram os memorandos voluntário com a Justiça Eleitoral, a decisão sobre tomar alguma medida, como tirar ou não do ar um conteúdo, seguiria sendo das plataformas, com base em suas próprias regras. Também não haveria punição para o caso de descumprimento dos termos de eventual acordo.
Segundo a Folha apurou, o objetivo seria encaminhar posts desinformativos diretamente para que as empresas analisassem. A proposta inicial do governo, que ainda pode mudar ao longo da negociação com as empresas, sugere um prazo de 12 horas para as plataformas darem alguma resposta sobre os links enviados.
A ideia é também que as empresas priorizem a temática das chuvas no RS em sua moderação de conteúdo, dado o estado de calamidade.
A AGU não divulgou a íntegra da proposta apresentada às empresas. O órgão aguarda retorno das empresas com eventuais sugestões para o documento, o objetivo seria construir uma versão final de consenso. A manutenção de um texto único válido para todas as plataformas que aceitem assinar, deve depender do processo de negociação sobre os termos.
Segundo nota do órgão, a classificação do conteúdo como desinformação seria feita em parceria com agências de checagem. Não haveria ainda, no entanto, uma definição de como esse aspecto seria abordado no desenho do acordo. Parte das empresas, inclusive, já possui parcerias com agências de checagem.
As medidas foram apresentadas em reunião na última sexta-feira (10).
Além da AGU estiveram na reunião integrantes da Secom (Secretaria de Comunicação), do Ministério da Justiça e da Polícia Federal. Esses órgãos integram a força tarefa contra desinformação sobre as enchentes que foi criada pelo governo.
De acordo com o governo, participaram da reunião, representantes do Google, YouTube, TikTok, Meta (que é dona do Facebook, Instagram e WhatsApp), Kwai, Linkedin e Spotify. O X (antigo Twitter) chegou a entrar na reunião, mas não se manifestou.
O cenário de desinformação na eleição de 2018 levou o TSE já em 2020 a ter acordos de cooperação com as principais plataformas. A criação de canais diretos foi um incremento feito em 2022. Na eleição anterior, havia um sistema do tipo apenas para denúncia de disparos em massa do WhatsApp.
A partir de denúncias de terceiros recebidas via site do TSE e por meio de monitoramento das redes sociais feito pela assessoria de enfrentamento à desinformação do próprio tribunal, conteúdos suspeitos eram encaminhados para as empresas avaliarem se eles violariam ou não suas próprias regras.
Essa atuação via acordo não se confunde com as ordens judiciais de remoção de conteúdo emitidas pelo TSE ou as feitas com base no poder de polícia, dado que estas são de cumprimento obrigatório.
João Brant, que é secretário de Políticas Digitais da Secom, defende que o momento de calamidade no RS exige uma postura mais diligente das empresas para garantir a efetividade das ações de resgate e atuação frente à tragédia, com as plataformas assumindo mais compromissos do que os cotidianos, assim como ocorreu em eleições.
Na avaliação dele, ainda que o governo use de canal para indicar links desinformativos, a prioridade é a atuação proativa. “Eu acho que o principal é que as próprias plataformas adotem um olhar de priorização desse tema na aplicação de suas políticas”, diz.
O advogado-geral da União justificou a proposta apresentada às empresas como uma mudança de estratégia, conforme consta em nota publicada pelo órgão.
“Ao invés de atuarmos no varejo, nós vamos atuar no atacado: uma vez identificada a fake news, nós iremos acionar as plataformas para que a partir de algoritmos próprios, de atuação tecnológica interna, a partir dos próprios termos de uso, elas possam retirar o conteúdo que é considerado desinformacional”, declarou.
Por meio da Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia, braço da AGU criado no governo Lula com o objetivo de coibir desinformação, o órgão já tem enviado desde o ano passado notificações extrajudiciais para as plataformas pedindo medidas como remoção de conteúdo ou rotulagem de informações adicionais.
Na semana passada, por exemplo, a procuradoria enviou notificação extrajudicial ao X para que a empresa acrescentasse um texto de esclarecimento em postagens que afirmam falsamente que a União patrocinou o show de Madonna em vez de destinar os recursos à tragédia no Rio Grande do Sul.
O órgão diz que as publicações infringem os termos de uso da plataforma, que proíbe a publicação de conteúdo enganoso ou fora de contexto com potencial de causar confusão generalizada sobre questões públicas.
Nesta quarta-feira (15), a AGU notificou o TikTok, X e Kwai solicitando que posts sobre a entrega de cestas de alimentos no RS fossem removidos. Ou alternativamente, que houvesse ao menos uma indicação de que a informação nas publicações é falsa.
Além das medidas via AGU, o governo Lula, via ofício da Secom, acionou a PF para investigar e responsabilizar quem divulga notícias falsas relacionadas com a tragédia climática no sul do país.
A iniciativa gerou uma série de críticas da oposição, por entender que elas não seriam ilícitas. Entre os alvos do ofício estão parlamentares. Um deles foi o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que nesta quarta se reuniu com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, para tratar do assunto.
Renata Galf, Folhapress