O governador de São Paulo, João Doria, venceu, neste sábado (27), as prévias presidenciais do PSDB contra o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.
O anúncio foi feito pelo presidente do PSDB, Bruno Araújo.
O resultado põe fim a uma novela que começou no domingo (21), quando a votação foi impedida por uma pane no aplicativo (investiga-se um ataque hacker) e o resultado, postergado. O saldo foi de vexame e tensão no partido —a possibilidade de judicialização do resultado, que já era grande, só fez crescer.
Neste sábado, cerca de 36 mil filiados puderam votar por meio de uma nova ferramenta online. No total, 44,7 mil se cadastraram para votar nas prévias —cerca de 3 mil votaram pelo app e o restante, tucanos com mandato, em urnas eletrônicas, no último domingo. Esses votos foram guardados para serem computados.
Bruno Araújo citou tentativas de ataque ao sistema de votação nas prévias da legenda neste sábado, mas disse que houve boa resistência do novo aplicativo contratado.
A semana agravou a divisão entre Doria e Leite, enquanto evidenciou o alinhamento de Virgílio ao governador de São Paulo.
O paulista levantou suspeitas de que as regras de votação foram feitas para beneficiar o gaúcho, além de lembrar a relação do rival com o deputado Aécio Neves (MG), falando na necessidade de depurar o partido.
Doria foi alvo ainda de acusação de compra de votos pela deputada Mara Rocha (AC), episódio que não teve desdobramentos —a não ser pelas referências de Leite. Contudo, o governador paulista foi colocando panos quentes nas polêmicas e preparando o terreno para a votação no sábado.
“Entendemos que a dimensão do nosso partido, a dimensão daquilo que representa o único partido do Brasil que faz prévias, é mais importante do que qualquer outro sentimento que possa ter sido expressado de forma emocional, de forma instável ou de forma deliberada”, resumiu, na terça (23).
O fiasco da votação do último domingo já era previsto na equipe de Doria, que considerava o app original frágil. A ferramenta já havia sido alvo de contestação pelas campanhas de Doria e de Leite devido a vulnerabilidades, mas mesmo assim foi mantida.
Tucanos que acompanharam as prévias afirmam que, apesar de favorito por estar à frente de São Paulo, sede do tucanato, Doria viu seu adversário crescer, mas recuperou terreno na reta final —virou o voto, por exemplo, de dois deputados federais.
Por isso, para Leite e seus aliados, o adiamento beneficiou o paulista. O entorno do gaúcho afirma que Doria conquistou novos votos com base em barganha e intimidação, sobretudo em São Paulo, o que a campanha paulista nega.
Doria, que costuma dizer ser “filho de prévias”, vence a sua terceira em seguida. Ele foi vitorioso nas indicações para concorrer à Prefeitura de São Paulo, em 2016, e ao governo do estado, em 2018 –tendo conquistado os dois cargos.
Ao bater o rival gaúcho e obter a vaga de candidato à Presidência, Doria consolida seu projeto político iniciado em 2016 e abre caminho para ampliar sua influência na sigla –apesar da resistência de tucanos da ala histórica e de seu principal rival interno, Aécio.
Depois de um processo com críticas e acusações de parte a parte, Doria terá o desafio de unir a sigla em torno da sua campanha ao Planalto.
Doria já afirmou acreditar que as prévias fortalecem o PSDB e que, superada a votação, todos os membros do partido serão aliados e vencedores.
Nos dias que antecederam a primeira votação, Leite e Doria já procuravam baixar a temperatura publicamente: fizeram um último debate morno e ensaiaram um discurso de unidade durante uma reunião em Porto Alegre. Nos bastidores, a briga voto a voto seguiu até o final.
O gaúcho, que foi procurado por outras siglas neste ano, disse que não deixaria o partido se perdesse. Leite vinha afirmando ainda que, no caso da derrota, não concorreria a nenhum cargo em 2022 e terminaria seu mandato no Rio Grande do Sul.
Outra tarefa do agora presidenciável é estabelecer conversas e negociações com partidos da chamada terceira via, com o objetivo de evitar a fragmentação do campo político que pretende apresentar uma alternativa viável contra Jair Bolsonaro e Lula (PT), que estão à frente nas pesquisas.
Durante a campanha, Doria se comprometeu a buscar as demais legendas e até sinalizou que poderia abrir mão da cabeça de chapa em nome de um projeto comum. Com cerca de 5% nas pesquisas e criticado por não alavancar seu nome a partir do trunfo da vacinação, o tucano está atrás de Sergio Moro (Podemos).
A maior rejeição de Doria nas pesquisas e a opinião de que sua candidatura é um projeto pessoal que isolaria o PSDB foram argumentos mobilizados por Leite, mas não bateram a ampla vitrine de programas e investimentos apresentada pelo governador paulista a seu favor.
O gaúcho procurou angariar votos em São Paulo com a ajuda do ex-governador Geraldo Alckmin, que só consideraria permanecer no PSDB caso Leite vencesse.
Na visão de parte dos tucanos, o estilo mais incisivo e pragmático de Doria poderia impor uma dificuldade a mais para a união da legenda.
Com Doria presidenciável, não haveria espaço para deputados bolsonaristas —em geral, ligados a Aécio e apoiadores de Leite— na bancada federal e uma debandada seria provável. O deputado mineiro, porém, nega planos de deixar a sigla.
Já para aliados de Doria, uma vitória de Leite, que fortaleceria a ala de Aécio no partido, acabaria por transformar o PSDB em um partido do centrão.
Doria, que em 2018 fez campanha por Bolsonaro sob o slogan “BolsoDoria”, passou a ser um dos principais opositores do presidente.
Com uma campanha que teve como alvos também Bolsonaro e Lula, Doria percorreu 21 estados do país e obteve o apoio formal de cinco diretórios, incluindo o de maio peso, São Paulo, que sozinho representou 35% dos votantes.
Erros de Leite na reta final contribuíram com o resultado –o vaivém de declarações após a suspensão das prévias, o pedido feito por um aliado para adiar a votação devido a desconfianças no aplicativo e a revelação pela Folha de que o gaúcho atuou, a pedido do governo Bolsonaro, para adiar a vacinação.
A ironia é que a campanha de Leite teve início após um movimento político equivocado de Doria, que tentou tomar para si a presidência do PSDB em fevereiro e, como troco, viu surgir um rival apoiado pela bancada.
Durante a campanha, o governador paulista teve estrutura mais robusta e investiu em pesquisas, sustentado pela máquina do PSDB paulista, experiente em prévias, e até pela máquina do governo, com um orçamento previsto de R$ 50 bilhões para investimentos nas cidades.
A Folha revelou que, em 2021, Doria multiplicou o repasse de verba política, chegando a R$ 1 bilhão.
O marketing da campanha de Doria, coordenado pelo publicitário Daniel Braga, incorporou a rejeição a ele –o governador assumiu-se “chato” e “calça apertada” ao som de “O Homem Disparou”, hit da eleição de 2020.
Houve uma gafe no interior da Paraíba, quando Doria provocou risos da plateia tucana ao perguntar: “quem aqui já foi a Dubai?”.
Após dois coordenadores das prévias –o senador José Aníbal (SP) e o ex-deputado Marcus Pestana (MG)— declararem apoio a Leite, a campanha de Doria afirmou que “a parcialidade antes velada se tornou explícita”.
“As raposas estavam dentro do galinheiro. É debochar na cara dos filiados do PSDB”, disse Wilson Pedroso, coordenador da campanha de Doria.
Os aliados de Leite também reclamam do rival, apontando que Doria agiu com pressão. O maior exemplo foi a demissão de um secretário da capital após ter declarado voto no gaúcho.
Eles acusam ainda a tentativa de fraude por parte dos paulistas pela filiação extemporânea de 92 prefeitos e vices que, ao final, foram excluídos da votação.
Em eventos de campanha, Leite criticou Doria duramente, afirmando que “o sentimento do PSDB raiz é maior do que qualquer tipo de pressão” e condenou o voto em troca de vantagens indevidas.
Para estrategistas de Leite, táticas de intimidação podem ter feito a diferença no resultado, mas terão o efeito colateral de agravar a imagem de Doria no partido.
Agora convocado a fazer campanha para Doria e esquecer todos os ataques, Leite chegou a fazer um trocadilho, na sexta (19): “Não adianta depois chorarmos o leite derramado, porque vamos todos nos ver numa calça justa”.
Carolina Linhares, Danielle Brant e Fábio Pupo/Folhapress