Quem não se comunica se trumbica, o bordão popularizado por Chacrinha nos anos 1980, guiou também um PT que concluía aquela década com sua primeira campanha presidencial.
Na época, o partido criou a Rede Povo de Televisão, paródia da Rede Globo, para tentar eleger Lula.
“A ideia é fazer algo muito parecido com a Rede Povo, que foi muito mobilizadora”, antecipa Jilmar Tatto, secretário de comunicação do PT, sobre o que esperar da estratégia do partido para atravessar um pleito que tem tudo para ser talhado pela guerra informacional.
A legenda deve inaugurar nos próximos dias um andar todo dedicado à comunicação no prédio que abriga sua sede, em Brasília.
Quando a Folha esteve no espaço, em fevereiro, um coordenador local falava animado sobre o programa fictício montado por petistas em 1989, a tal Rede Povo.
Esquetes emulavam vinhetas da Globo, como o Povo Repórter (“o jornalismo do jeito que o povo gosta”) e o Povo de Ouro (que tocava o jingle “Lula Lá, brilha uma estrela”, hoje um clássico do cancioneiro eleitoral).
Um simulacro de telejornal entrevistava um carregador de carne que não tinha como pagar pela proteína, depois uma madame que duas vezes por dia alimentava seu cãozinho com carne moída, legumes e frango.
Retomar a linguagem popular agrada o partido, mas há compreensão interna de que, agora, tudo deve ser embalado para tempos digitais.
A operação multimídia conta com cerca de 30 pessoas. “Vamos concentrar rádio, televisão, acompanhamento de redes sociais e eventualmente, se couber, uma central contra fake news. Estúdios, maquiagem, tudo isso vai ser lá”, afirma Tatto, parte da trinca por trás do QG petista.
Responsável pelo site do PT, ele fará a interface entre o partido e a campanha de Lula.
As outras figuras-chave: Franklin Martins, ministro lulista encarregado de coordenar a comunicação do ex-presidente e as redes do PT, e Augusto Fonseca, marqueteiro que já trabalhou com FHC, Ciro Gomes e Aécio Neves.
A equipe de Franklin também está montando uma estrutura em São Paulo para atender a pré-candidatura.
Lula visitou os estúdios da legenda em outubro de 2021 e lá se queixou de ter pouco espaço midiático. A internet seria uma oportunidade para que o PT caminhasse por suas próprias pernas, segundo o ex-presidente, que aproveitou para cutucar a maior emissora do país, como fazia mais de três décadas atrás.
“O PT logo, logo vai desbancar a Globo com os estúdios que eu estou vendo aqui. […] Logo, logo, a Globo vai ter que pedir licença para nós, nós vamos até transmitir jogo de futebol, sobretudo quando o Corinthians jogar.”
Para o mês de estreia, a ideia é inserir seis novos programas na TVPT, o canal da sigla no YouTube.
“Elas por Elas” será voltado ao eleitorado feminino, que tem dado a Lula uma vantagem folgada sobre Bolsonaro nas pesquisas. Há ainda “Legado: Fazer Mais e Melhor”, que defenderá os governos petistas.
Também estão previstos o “Jornal PT Brasil”, noticiário sob a lente petista, outro programa focado no meio ambiente e um para tratar dos Comitês Populares de Luta.
Paulo Marcelo, um pastor pentecostal, terá um podcast para o público evangélico, que também deve migrar para a TVPT.
Amigo de um ex-aliado e hoje arqui-inimigo do petismo, o deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP), ele quer chamar o antropólogo Juliano Spyer, que em 2020 publicou “Povo de Deus: Quem São Os Evangélicos e Por Que Eles Importam”, livro que foi parar na mesa de cabeceira do ex-presidente.
Outra aposta, essa mais polêmica: quer ver se o bispo Abner Ferreira topa uma conversa. Ele é um dos cabeças da Assembleia de Deus Madureira, que em 2018 fechou com Bolsonaro. No fim do ano passado, Abner recebeu em sua igreja Marcelo Freixo (PSB-RJ), pré-candidato ao governo do Rio e dono de indubitável credencial esquerdista.
As estreias encorparão uma grade já preenchida por atrações como o antirracista “Liga Preta” e “Sexta-Feira 13h”, com entrevistas conduzidas por Paulo Moreira Leite —por lá já passaram os Josés Genoino e Dirceu, fora o próprio Lula.
Outro homem forte no núcleo duro petista é Ricardo Stuckert, que cuida da imagem de Lula há duas décadas.
O repórter-fotográfico clicou o mais pop retrato do ex-presidente no ano passado: ele, de sunga e com as coxas em evidência, ao lado de sua noiva, a socióloga Rosangela da Silva.
“Boa noite com essa lua cheia no Ceará!”, ela legendou em agosto de 2021 a foto vista por mais de 65 milhões de pessoas.
Petistas avaliam que falta um bocado para o partido navegar bem por redes sociais, arte dominada melhor pela direita bolsonarista. A comunicação do PT ainda é vista, nas palavras de uma jovem liderança partidária, como analógica e institucionalizada.
Há a vontade de se aproximar de figuras públicas que, nas redes, têm bala na agulha.
Em maio de 2021, por exemplo, o influenciador Felipe Neto deu uma palestra no Instituto Lula. “Difícil encontrar alguém que foi mais anti-Lula do que eu”, disse na época sobre o ódio que diz ter herdado dos pais.
Casimiro também tem potencial para tanto, na leitura do partido. O streamer (que comenta games online) é dono de um dos perfis mais influentes entre jovens, abordando de BBB a guerra na Ucrânia. Já respondeu assim a um seguidor sobre o que achava de Jair Bolsonaro (PL): “Porra, um merda!”.
O PT prefere que eventuais apoios a Lula ocorram de forma espontânea na internet. Algo no estilo Pabllo Vittar, que já se voluntariou para cantar na cerimônia de posse de Lula em 2023, se houver uma.
Ou Anitta, que puxou briga com Bolsonaro e seus asseclas. A mais recente foi com o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que a chamou de “teletubbie”.
Lula chegou a se aproximar de alguns ex-participantes do BBB simpáticos à sua candidatura. Em 2021, seu perfil seguiu nas redes Juliette, Gil do Vigor e Arthur Picoli, que no programa deram demonstrações de afeto à legenda.
A estratégia digital deverá pegar carona em conteúdos relacionados ao reality. A conta do PT no Twitter já usou o programa para incentivar a busca pelo título de eleitor. “Votar no BBB é divertido, mas você já experimentou votar para tirar o Bolsonaro?”.
“O que fazemos é um acompanhamento dessas personalidades que estão declarando apoio ao Lula, ao PT”, afirma Tatto. “Alguém contata pra agradecer ou conversa a melhor maneira de potencializar [os endossos]. Casimiro é um. A gente foi atrás, mas tem todo um cuidado.”
O zelo se deve a contratos e patrocinadores que não gostam de engajamentos políticos explícitos, segundo o secretário de comunicação.
O PT também está atrás de um responsável pelas redes que consiga quebrar as bolhas de comunicação.
Em fevereiro, petistas se reuniram com Ben Brandzel, que trabalhou com novas mídias na campanha de Barack Obama.
Para tentar ganhar espaço na internet, o time petista lançou o Lulaverso, que se estende a WhatsApp, Telegram, Instagram, Twitter e TikTok. Como a Folha mostrou, o WhatsApp suspendeu números de telefones de administradores de grupos do Lulaverso na semana passada.
“Onde a esperança e os memes se encontram. Onde o grupo da família finalmente se renderá à paz. Onde tio e sobrinho voltarão a fazer churrasco juntos. E onde também tem coxa, muita coxa”, diz o vídeo de apresentação do portal.
Dele participam personalidades simpáticas a Lula, como Pabllo Vittar e Deolane Bezerra, a advogada-influencer que em 2021 declarou: “Eu não sou petista. Sou lulista. E eu vou perder tanto seguidor em 2022. Eu vou perder muito. Eu brigo muito por política”.
Anna Virginia Balloussier e Victoria Azevedo, Folhapress