O juiz federal Augustino Chaves é apontado pela Polícia Federal como responsável por decisões que resultaram em prejuízo de ao menos R$ 984 milhões aos cofres da União nos últimos dois anos.
O magistrado é investigado na operação Skiagraphia e foi alvo de busca e apreensão na última sexta-feira (20) por supostamente beneficiar aos menos 27 grandes empresas em processos de execução fiscal na 20ª Vara da Justiça Federal do Ceará.
Os valores são referentes ao montante que a União deixou de cobrar nos últimos anos por causa de decisões do juiz de 2012 a 2016.
Até o dia da operação, Chaves ocupava o cargo de juiz assistente no gabinete da presidência do STJ (Superior Tribunal de Justiça), na gestão do ministro Humberto Martins.
Na maioria dos casos investigados, diz a PF, essas grandes devedoras do Fisco eram representadas pelo escritório Borges Neto Advocacia. Os valores calculados pelos investigadores são relativos a débitos fiscais cujas cobranças foram suspensas por decisão do magistrado.
A banca tem como sócio fundador José Borges Neto, ex-secretário administrativo da Justiça Federal do Ceará de 2007 a 2011, período em que o juiz Chaves ocupava o cargo de diretor do Foro.
Um dos sócios do escritório também aparece no quadro de empresas com acionistas que mantêm relação societária com a esposa de Chaves e um outro ex-funcionário da Justiça Federal.
Após a deflagração da operação, o STJ informou que o juiz solicitou o desligamento da equipe de juízes auxiliares da presidência da Corte.
Procurado, o magistrado não se manifestou até a publicação desta reportagem. O advogado Borges Neto, por sua vez, não retornou aos contatos.
À reportagem, o juiz disse estar tranquilo e que o caso não vai dar em nada. “Estou absolutamente tranquilo. Nunca fui intimado de nada. É uma violência que repudio. Não vai dar em nada. Não tenho imóveis, são fatos antigos. São conjecturas e fantasias”.
“Tudo é genérico, e genérico cabe tudo contra qualquer pessoa. Queria saber qual a decisão específica que causou prejuízo à Fazenda Nacional. Qual decisão foi reformada”, afirmou.
Uma análise da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) mostrou um padrão nas decisões do magistrado e um grande número de emissões de CPEN (Certidões Positivas com Efeito de Negativas).
Esse tipo de despacho, diz a PF, permite que as empresas participem de licitações e sejam contratadas por órgãos públicos uma vez que as execuções fiscais ficam suspensas.
O modelo das decisões e dos casos sob suspeita, segundo a PGFN, foi herdado por Augustino Chaves do antigo juiz titular da 20ª Vara, José Parente Pinheiro, também investigado.
A dinâmica mapeada pela PGFN mostra casos de grandes empresas devedoras com algumas características específicas.
Entre elas, a penhora de faturamento em que não são consideradas as garantias suficientes para os débitos e também a retirada do nome do devedor do cadastro de créditos não quitados do governo federal.
Além de outras características, na maioria dos processos a União não foi ouvida previamente ou “teve impostas às garantias contra a sua vontade expressa, e ainda acompanhadas da obrigação de emitir a CPEN”.
No caso de Augustino Chaves, diz a PF, a utilização do modelo de decisão começou após José Borges Neto deixar o cargo de servidor da Justiça e montar o escritório de advocacia que depois passou a representar as grandes empresas na 20ª Vara.
A PF cita no pedido de busca contra o magistrado vários indícios de sua relação com o advogado.
Entre eles, um arquivo encontrado em um pen drive apreendido em uma operação de 2019. Nele, havia uma procuração de Borges Neto, conhecido como Zema, para representar o juiz em um evento no exterior.
Segundo a PF, Borges Neto “desfruta de um alto padrão de vida, usufruindo de veículos e moradia de luxo, realizou mais de 140 viagens internacionais” nos últimos anos.
Relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras recebidos pela PF também indicam intensa movimentação de dinheiro em espécie pelo advogado no período em que o juiz teria dado as decisões que beneficiaram as empresas.
Somente em saques em espécie, o Coaf mapeou R$ 680 mil saindo da conta de Borges Neto, além do pagamento de faturas de cartões de crédito superiores a R$ 100 mil por mês.
“A identificação de inúmeros vínculos entre os juízes federais e advogados do escritório patrocinador das causas referendadas pelas decisões judiciais teratológicas, aliado à expressiva evolução patrimonial dos envolvidos no período coincidente com os fatos sob apuração, corrobora fortemente as suspeitas da existência de um grande esquema de corrupção”.
Um dos casos envolve débitos tributários de R$ 390 milhões da Carbomil Mineração e empresas do mesmo grupo econômico.
A PF afirma que o juiz determinou que mais de cem execuções fiscais dessas empresas espalhadas na Justiça Federal do Ceará fossem reunidas em seu gabinete.
Os investigadores também descobriram que a Fazenda Nacional não apresentou recurso no processo sobre um laudo pericial. A suspeita é que a intimação da União tenha sido fraudada.
Peritos federais fizeram uma análise grafotécnica e compararam as assinaturas do mesmo servidor em outras remessas de intimação. Eles concluíram pela inautenticidade da assinatura.
O laudo que a União não contestou era sobre o valor das minas de calcário da empresa, alvo de penhora da Justiça com avaliação de R$ 295 milhões.
Para a PF, a troca dos débitos tributários calculados em R$ 390 milhões “mediante a penhora de minas de calcário, bens de difícil liquidez e valor econômico de difícil aferição” causou grave prejuízo aos cofres públicos.
“A intimação da União para participar da prova pericial que definiu o valor da avaliação das Minas, ao que tudo indica, foi fraudada. O juiz titular da 20ª Vara Federal expressamente fundamentou a fixação do montante de R$ 295 milhões, em suposta aceitação tácita da Fazenda Nacional”.
Camila Mattoso/Fabio Serapião/Folhapress