sábado, novembro 23, 2024

‘Tem que quebrar tudo pro Exército entrar’; laudo enviado à CPMI mostra atuação de extremista no 8 de janeiro

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“É por isso que ‘nóis tá’ aqui. Pra intervenção militar… O Exército toma o poder, entendeu?”. Essa foi uma das últimas frases que o entregador paranaense Matheus Lima de Carvalho Lázaro, de 23 anos, disse para sua mulher grávida antes de ser preso com um canivete na noite do 8 de janeiro por participar do ataque golpista às sedes dos Três Poderes, em Brasília. “O exército vem pra gente, amor. Isso que tô falando. O exército não vai ‘vim’ contra nós. ‘Nóis tá’ fazendo intervenção militar”, acrescentou, em uma mensagem enviada no fim da tarde, enquanto ainda fazia parte da turba que invadiu o Congresso Nacional.

As mensagens de Matheus para sua mulher fazem parte de um laudo de perícia criminal da Polícia Civil do Distrito Federal disponibilizado para a CPMI dos 8 de janeiro, que investiga os ataques golpistas que tomaram de assalto a capital federal questionando a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, pedindo intervenção militar e em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

Segundo as informações da polícia, o golpista, preso nas proximidades do Palácio do Buriti com uma camisa da seleção brasileira de futebol, uma jaqueta do exército e um canivete de 16 cm, é de Apucarana, no Paraná, e nunca tinha sido preso antes. Informado sobre seu direito de permanecer em silêncio, quis dar sua própria versão dos fatos.

Para a polícia, Matheus contou que é entregador, ganha um salário mínimo, vai à igreja evangélica e gosta de jogar futebol. Também disse ser “bolsonarista e nacionalista” e ter participado ativamente de “movimentos” de oposição ao presidente eleito, como o acampamento de sessenta dias em frente ao 30º batalhão de infantaria em sua cidade natal. Foi lá que teria recebido o convite para participar da viagem a Brasília.

Junto com outros bolsonaristas da cidade e da região, ele viajou os mais de 1.100km que dividem Apucarana e Brasília e, segundo relatou à polícia, foi levado diretamente ao acampamento em frente ao QG do exército, onde recebeu alimentação e aguardou o momento de marchar para a sede dos Três Poderes.

Invasão

O laudo policial apresenta trechos da conversa de Matheus com sua mulher durante todo o dia 8 de janeiro e o teor golpista está presente desde a manhã. Pouco depois das 10h, ele avisa que está saindo do acampamento e seguindo para onde iriam “invadir”. “A gente vai descer lá pro… Pra onde eles iam invadir”, disse.

A partir das 14h, mandou vídeos marchando junto com outros bolsonaristas e enviou fotos já no Congresso. Mas, a partir das 15h30, a esposa, gestante, começou a dar sinais de preocupação, mencionou que estava acompanhando pela televisão e questionou os atos “aqui tá mostrando na televisão já as pessoas quebrando as coisas, isso não pode porque isso é vandalismo”, disse ela.

Matheus diz para ela não acreditar na televisão. “Tem que quebrar tudo, pra ter reforma, pra ter guerra amor. Guerra… Pro exército entrar… entendeu?”.

Ele diz a mulher que aquilo não era vandalismo, mas depois admite: “É vândalo, é vândalo mesmo. Acabou pacífico. É melhor… é melhor nós quebrar tudo aqui agora”. O golpista reproduz ainda a ameaça que marcou a campanha de 2022 de que o Brasil “viraria uma Venezuela”.

É nesse momento, pouco antes das 17h, que ele bate na tecla da intervenção militar. “É por isso que ‘nóis tá’ aqui. Pra intervenção militar… O exército toma o poder, entendeu?”, afirmou.

Depois disso, ele só volta a falar com a mulher às 19h22, depois que o movimento foi dispersado pela polícia. Diz que está retornando para o QG e faz uma ligação por vídeochamada. A prisão ocorre logo depois, perto do Palácio do Buriti, antes de o golpista chegar ao QG. Matheus, que confessou ter participado dos atos, postado vídeos em suas redes sociais, xingado o presidente eleito e clamado por intervenção militar, continua detido no presídio de Brasília. A última mensagem da esposa — “volta logo que estamos com saudades” — aparece sem resposta no laudo policial.

Falha da denúncia

Os detalhes do laudo policial e de outros documentos da Polícia Civil enviados à CPMI do 8 de janeio, analisados pela reportagem, , indicam falha na denúncia do Ministério Público Federal que foi apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF). Com base na acusação do MPF, o golpista e cerca de 200 outros acusados viraram réus em um dos processos que tem o ministro Alexandre de Moraes como relator.

Na denúncia, o Ministério Público descreve a conduta de Matheus como se ele tivesse sido preso na Praça dos Três Poderes. O texto do MPF aponta ainda que ele “foi preso na posse de apetrechos que demonstraram a adesão, livre e consciente, aos atos violentos e às graves ameaças executados contra a pessoa, além do emprego de substância inflamável”.

O laudo, de fato, indica que Matheus tinha um canivete, mas não possuía bombas, líquidos inflamáveis ou outros itens desse tipo. E o auto de prisão em flagrante registra que a prisão de Matheus foi em outro local, já distante dos prédios invadidos.

Procurado pela reportagem, o MPF informou que verificaria o caso e se manifestaria a partir da segunda-feira, 26.

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Estadão

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