Sob julgamento e sob ataque, Donald Trump sentou-se para depor durante sete horas ao escritório da Procuradoria-Geral de Nova York em abril, como parte do indiciamento que acusa o ex-presidente e sua empresa de fraude civil.
Mas, à medida que os promotores de Justiça interrogaram Trump a respeito das maquinações internas dos negócios de sua família, que é acusada de inflar o valor dos bens dele em bilhões de dólares, o ex-presidente respondeu com uma série de frases cortadas, digressões políticas e defesas auto elogiosas.
Questionado a respeito de sua autoridade sobre a Trump Organization enquanto ocupou a Casa Branca, o ex-presidente respondeu que considerava a presidência “o emprego mais importante do mundo, salvando milhões de vidas”.
“Eu acho que nós teríamos um holocausto nuclear se eu não tivesse lidado com a Coreia do Norte”, explicou ele, acrescentando: “e eu acho que é possível termos uma guerra nuclear agora”.
Apesar de Trump ter invocado seu direito constitucional contra a autoincriminação quando foi interrogado inicialmente pela procuradoria no ano passado, no depoimento de abril ele respondeu às perguntas da procuradora-geral de Nova York, Letitia James, e seus promotores, cuja transcrição foi revelada quarta-feira.
A transcrição mostra um combativo Trump, qualificado como réu no caso juntamente com sua empresa e três de seus filhos, e em certos momento o ex-presidente mal permitia que os promotores falassem. Trump com frequência pareceu ofendido pela ideia de o valor de seu patrimônio ser questionado.
Trump está tentando fazer com que o caso seja indeferido. Um tribunal poderá deliberar a respeito desse esforço no próximo mês, mas, por agora, o processo parece encaminhar-se para julgamento no início de outubro.
Veja alguns dos destaques da transcrição de seu depoimento:
Trump refere-se ao seu período na Casa Branca com notável eufemismo.
O promotor Kevin Wallace, veterano na equipe de James, questionou o ex-presidente a respeito da relação que ele mantinha com sua empresa. Trump respondeu que não tomava as decisões finais, mas, posteriormente, indicou que poderia estar envolvido em “algo maior, decisões finais, algo assim”.
KEVIN WALLACE: Sr. Trump, o senhor é atualmente a pessoa com autoridade de tomada de decisão final na Trump Organization?
DONALD TRUMP: Não.
WALLACE: Quem é esta pessoa?
TRUMP: Meu filho Eric está muito mais envolvido do que eu. Eu ando fazendo outras coisas.
Trump alega que protegeu o mundo de uma guerra nuclear durante sua presidência.
Em um comentário logo depois, Trump reconheceu que essas “outras coisas” incluíam ser presidente.
TRUMP: Eu estava muito ocupado. Estava… — eu considerava aquilo o emprego mais importante no mundo, salvando milhões de vidas. Eu acho que nós teríamos um holocausto nuclear se eu não tivesse lidado com a Coreia do Norte. Eu acho que nós teríamos uma guerra nuclear se eu não fosse eleito. E eu acho, na verdade, que nós poderemos ter uma guerra nuclear agora.
Trump recusa-se a informar quem expressou interesse em comprar Mar-a-Lago.
Durante o depoimento, Trump afirmou que é dono “das maiores propriedades no mundo” e disse que se as pusesse à venda os preços oferecidos seriam estarrecedores. Em um certo ponto, Wallace decidiu testar uma dessas afirmações.
TRUMP: Eu ouço das pessoas, “Se algum dia você for vender Mar-a-Lago, me ligue”. Mas não está à venda.
WALLACE: Quem, por exemplo, lhe disse isso?
TRUMP: Bem, eu prefiro não dizer porque eu não quero constrangê-los; e posso acabar fazendo com que esses indivíduos tenham que depor.
Posteriormente no interrogatório, Trump afirmou não saber quem eram especificamente as pessoas que lhe fizeram essas ofertas. “Eu sei que é gente muito rica.”
Trump foi irônico a respeito de suas declarações financeiras anuais, afirmando que jamais acreditou que elas seriam levadas a sério.
A acusação da procuradora-geral de Nova York contra Trump tem foco em suas declarações financeiras anuais que, afirma a instituição, sobrevalorizaram seu patrimônio em até US$ 2,2 bilhões a cada ano.
Todas as declarações financeiras de Trump contêm cláusulas de isenção de responsabilidade reconhecendo que os contadores do ex-presidente não revisaram nem autenticaram suas alegações. Durante o interrogatório, Trump cita essas ressalvas afirmando que elas basicamente invalidam as declarações financeiras.
TRUMP: Eu nunca achei que essas declarações seriam levadas muito a sério, porque você abre a pasta e logo no início do documento você lê uma página e meia lhe dizendo, “arrume seu próprio contador, seu próprio isso, seu próprio aquilo e sei lá o que mais”.
WALLACE: Então por que o senhor providenciou essas declarações?
TRUMP: Eu diria que talvez para mim mesmo, apenas para eu ver a lista das propriedades. Acho que foi mais para mim mesmo do que em qualquer outra coisa. Às vezes uma instituição gostaria de vê-las.
Trump seguiu afirmando que suas propriedades são ainda mais valiosas do que suas declarações financeiras refletiram.
Trump ataca o indiciamento.
O ex-presidente usou o depoimento com frequência para atacar o indiciamento. Num determinado momento, ele disse a Wallace que os bancos que lhe concederam empréstimos ficaram “chocados” com o caso.
TRUMP: Os bancos — os bancos estão chocados com este caso. Esta é a minha opinião, porque eles nunca viram algo assim. Você sabia que os bancos foram completamente pagos? Você sabia que os bancos ganharam muito dinheiro? Eu acho que nunca recebi nenhuma notificação de inadimplência, nem durante a covid — todos os bancos foram pagos. E mesmo assim você está me processando em nome dos bancos, eu acho. É loucura. Todo esse caso é loucura.
Trump descreve o valor de sua marca.
Quando questionado durante o depoimento a respeito do que pode ter sido deixado de fora de suas declarações financeiras anuais, Trump pareceu inicialmente discordar da premissa da pergunta, afirmando, “Eles listam tudo que está em cima da pia da cozinha por aqui”. Mas logo ele detalhou.
TRUMP: A maior questão é que elas não incluíram a minha marca. Meus advogados nunca mencionam isso, mas a minha marca é o maior de tudo; e por causa dela, talvez você possa dobrar ou triplicar o valor de minha declaração. Mas minha marca é, se eu quisesse criar uma boa declaração, eu diria — eu começaria com a Frase N.º 1: minha marca vale bilhões e bilhões de dólares.
Os amigos de Trump dizem que ele é “a pessoa mais honesta no mundo”.
Questionado a respeito de políticas e procedimentos para garantir que a Trump Organization cumpra a lei, ele afirmou: “É por isso que nós temos firmas de advocacia. Você sabia que há firmas que fazem isso?”.
TRUMP: E meus amigos têm dito, “Você é a pessoa mais honesta no mundo”. Então nós fizemos um bom trabalho. Não recebemos crédito por isso, OK. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
Ben Protess, Jonah E. Bromwich e William K. Rashbaum/Estadão Conteúdo
