Ex-comandante do Exército, o general Freire Gomes relatou a pessoas próximas que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu entorno, além de militares da reserva, fizeram apelos às Forças Armadas por um golpe contra a eleição de Lula (PT).
Oito oficiais-generais consultados pela Folha contam que os relatos eram feitos em conversas pessoais, com os militares mais próximos de Freire Gomes, sem informar o Alto Comando da Força.
Descrito como uma pessoa discreta, o ex-chefe militar informou a seus pares, quando perguntado, que sempre respondeu a Bolsonaro e seu entorno que o Exército não embarcaria em aventuras.
Freire Gomes e os ex-comandantes Almir Garnier (Marinha) e Baptista Junior (Aeronáutica) foram chamados cerca de dez vezes por Bolsonaro para reuniões no Palácio da Alvorada em novembro e dezembro, após a vitória de Lula.
Todas as reuniões ocorreram fora da agenda presidencial, e suas convocações eram feitas pelo celular do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, ou pelo próprio ex-presidente.
A primeira conversa ocorreu em 1º de novembro —dois dias após o segundo turno das eleições. Na ocasião, segundo relatos, as pautas giraram em torno do fechamento de rodovias e dos acampamentos golpistas com bolsonaristas que se formavam em frente aos quartéis.
Os assuntos que foram tratados nem sempre foram expostos previamente, segundo generais próximos a Freire Gomes. Eles contam que, em alguns casos, Bolsonaro apenas buscava conversar com os chefes militares.
Em outras ocasiões, segundo essas fontes, Bolsonaro e militares de seu entorno defenderam abertamente intenções golpistas de se buscar formas de questionar ou reverter o resultado eleitoral.
A decisão do Exército de que não apoiaria planos golpistas, como pediam os bolsonaristas, não foi uma posição definida formalmente em reuniões do Alto Comando. Ela surgiu de conversas espontâneas entre generais —e, especialmente, de consultas de representantes de governos estrangeiros à cúpula militar.
Os encarregados de negócios dos EUA no Brasil, Douglas Knoff, e do Reino Unido, Melanie Hopkins, participaram de reuniões secretas com generais do Exército Brasileiro para sondar qual posição a Força pretendia adotar.
Nessas ocasiões, os diplomatas estrangeiros manifestaram que haveria forte oposição de seus países a qualquer tentativa de ruptura democrática.
Houve ainda recados diretos antes das eleições sobre o receio internacional com a situação brasileira, como o feito pelo secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, ao então ministro da Defesa general Paulo Sérgio Nogueira.
Os dois se encontraram por cerca de 40 minutos durante a Conferência dos Ministros de Defesa das Américas, em Brasília, em julho do último ano.
Tudo estava certo para Marco Antônio Freire Gomes assumir uma das cadeiras do STM (Superior Tribunal Militar) quando, em março de 2022, Bolsonaro o convidou para comandar o Exército.
É praxe nas Forças os oficiais-generais mais antigos definirem seu futuro meses antes de irem para a reserva. No último ano, o acordo silencioso já estabelecia os próximos passos dos três generais mais antigos.
Além de Freire Gomes, o general Valério Stumpf tinha garantida a presidência da Poupex (instituição que oferece crédito habitacional a militares). Os últimos quatro estrelas da lista, Tomás Paiva e Júlio Cesar Arruda, preferiam ir à reserva sem assumir, de imediato, novo cargo na burocracia de Brasília.
O xadrez acabou invertido com os desdobramentos da interferência de Bolsonaro nas Forças Armadas, quando o então presidente decidiu, em 2021, demitir todos os chefes militares e o então ministro da Defesa, Fernando Azevedo, por falta de apoio às investidas palacianas em meio à pandemia da Covid.
Durante a transição de governo, Freire Gomes disse ao ministro José Múcio Monteiro que gostaria de deixar o cargo antes da posse de Lula, por questões pessoais. Não entrou em detalhes, mas prometeu colaborar com a passagem de comando para o general Arruda —que havia sido escolhido por Múcio.
Arruda acabou demitido no final de janeiro por Lula, em meio a uma crise de confiança aberta após os ataques antidemocráticos do dia daquele mês, em Brasília.
As consultas de Bolsonaro aos planos golpistas aventados no Palácio da Alvorada são alvo da delação de Mauro Cid à Polícia Federal, informação revelada pelo UOL e pelo jornal O Globo e confirmada pela Folha.
Segundo Cid, Almir Garnier, da Marinha, manifestou-se favoravelmente às intenções golpistas durante as conversas de bastidor.
Como a Folha revelou à época, o Almirantado não era favorável às posições de Garnier. O conjunto de almirantes ainda se opôs ao comandante às vésperas do Natal, em reunião no Rio de Janeiro, quando o chefe militar ameaçou deixar o cargo antes da posse de Lula.
Em ato inédito na democracia, como protesto, Garnier faltou à passagem de comando da Marinha para o almirante Marcos Sampaio Olsen.
Cézar Feitoza, Folhapress