O veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a parte das emendas de comissão no Orçamento de 2024 não atingiu apenas os ministérios mais ligados ao Centrão, como mostrou o Estadão na terça-feira, mas também as ações que costumam ser as preferidas dos parlamentares.
Dos R$ 5,6 bilhões cortados pelo Executivo, R$ 4,2 bilhões estão concentrados em apenas quatro rubricas, ligadas principalmente a obras, pavimentação, calçamento e aquisição de maquinário agrícola, como tratores e retroescavadeiras.
Essas destinações costumam ser as preferidas de grande parte de deputados e senadores. Com elas, eles podem colocar placas nas obras, destacando a autoria da emenda, ou fazer eventos de entrega das máquinas aos produtores rurais. Esses atos ajudam a ampliar a influência nos redutos eleitorais e serão ainda mais cobiçados em 2024 — quando prefeitos e vereadores disputarão votos nas urnas.
O maior corte, de R$ 1,5 bilhão, foi realizado na ação “Apoio a Projetos de Desenvolvimento Sustentável Local Integrado”, no âmbito do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. A pasta é comandada por Waldez Góes, apadrinhado do presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Davi Alcolumbre (União-AP).
A rubrica orçamentária é destinada à construção e manutenção de estradas, pontes e galpões, implantação de iluminação e calçadas, além de obras de pavimentação. Inclui, ainda, aquisição de tratores, restroescavadeiras e caminhões.
A compra de tratores com verba de emendas ganhou notoriedade durante a vigência do orçamento secreto, revelado pelo Estadão em 2021, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. O esquema, também conhecido como “tratoraço”, foi extinto pelo Supremo Tribunal Federal em 2022.
Com o fim dessa destinação, as atenções do Legislativo se voltaram para as emendas de comissão, já chamadas de “herdeiras” do orçamento secreto, uma vez que também seguem a lógica de distribuição segundo os interesses das cúpulas da Câmara e do Senado. De 2023 para 2024, elas tiveram seus valores inflados em 140%: de R$ 6,9 bilhões (cifra empenhada) para R$ 16,6 bilhões. Com o veto de Lula, o montante ficou em R$ 11 bilhões.
Já a segunda maior tesourada do governo, de R$ 1,1 bilhão, foi na ação de “Apoio à Política Nacional de Desenvolvimento Urbano Voltado à Implantação e Qualificação Viária”, que contempla pavimentação, calçamento, além de sinalização viária e acessibilidade. O programa está no âmbito do Ministério das Cidades, atualmente comandado por Jader Filho, que preencheu a cota do MDB na Esplanada.
Na sequência vem “Apoio a Projetos de Infraestrutura Turística”, com uma redução de R$ 950 milhões. A rubrica fica no guarda-chuva do Ministério do Turismo e também está ligada a gastos com pavimentação, iluminação pública e construção de rodovias, além de obras de interesse turístico.
Atualmente, a pasta é comandada por Celso Sabino, que faz parte da cota do União Brasil dentro do governo e é aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Em entrevista ao Estadão/Broadcast, logo após assumir o cargo, Sabino afirmou que um dos seus objetivos era turbinar o número de emendas destinadas ao setor para compensar o baixo orçamento da pasta.
Por fim, a quarta ação mais afetada pelo veto é “Apoio a Projetos e Obras de Reabilitação, de Acessibilidade e Modernização Tecnológica em Áreas Urbanas”, no âmbito das Cidades. Foram cortados R$ 695 milhões da rubrica, que abarca obras em perímetros urbanos e de melhoria da infraestrutura, como pavimentação e iluminação.
Nesta quinta-feira, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, afirmou que o veto aos R$ 5,6 bilhões em emendas de comissão é provisório e poderá ser revisto. Segundo ela, a sistemática dos vetos não é simples, já que não é possível cortar apenas uma parte da ação orçamentária. “Ou eu corto a programação inteira ou não posso cortar”, explicou.
“Como não sei os acordos do Congresso, aquilo que eles realmente fazem questão, aquilo que é da parte do Congresso, nós fizemos provisoriamente um primeiro veto nas ações, nas linhas de programação, e podemos, lá para fevereiro, fazer qualquer alteração, como sempre fizemos no momento certo”, disse.
Segundo Tebet, o governo terá mais clareza desses números na apresentação do primeiro relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas, previsto para março. A data é crucial, já que é o prazo limite para a equipe econômica apresentar o tamanho do contingenciamento necessário para cumprir a meta de déficit zero. Ou, então, anunciar uma mudança de meta, como defende a ala política.
Em entrevista à Rádio Metrópole de Salvador, na terça-feira, Lula afirmou que se reunirá com lideranças partidárias, que já criticam o veto e poderão derrubá-lo, para explicar a decisão. Segundo ele, o Orçamento de 2024 está sendo feito “com as condições que é possível fazer”, citando aumento de investimento em saúde e educação.
Todo esse puxa-estica orçamentário ocorre em meio à disputa entre Executivo e Legislativo em torno das verbas públicas e o poder de executá-las, somada às incertezas crescentes em relação ao cumprimento da meta de déficit zero. Além disso, o governo ainda tem de lidar com um espaço para despesas R$ 4,4 bilhões menor do que o projetado, devido à inflação abaixo do esperado./Com Fernanda Trisotto e Sheyla Santos
Veja as ações mais afetadas pelo corte nas emendas de comissão:
Apoio a Projetos de Desenvolvimento Sustentável Local Integrado: R$ 1,5 bilhão (Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional)
Apoio à Política Nacional de Desenvolvimento Urbano Voltado à Implantação e Qualificação Viária: R$ 1,1 bilhão (Ministério das Cidades)
Apoio a Projetos de Infraestrutura Turística: R$ 950 milhões (Ministério do Turismo)
Apoio a Projetos e Obras de Reabilitação, de Acessibilidade e Modernização Tecnológica em Áreas Urbanas: R$ 695 milhões (Ministério das Cidades)
Desenvolvimento de Atividades e Apoio a Programas e Projetos de Esporte Amador, Educação, Lazer e Inclusão Social: R$ 252 milhões (Ministério do Esporte)
Apoio a Projetos de Excelência Esportiva nas Fases de Especialização e Aperfeiçoamento: R$ 252 milhões (Ministério do Esporte)
Apoio a Iniciativas e Projetos de Inclusão Digital: R$ 108,4 milhões (Ministério das Comunicações)
Bianca Lima/Estadão Conteúdo