Se neste 2024, quando se completam 60 anos do golpe militar de 1964, o Ministério do Direitos Humanos (MDH) foi proibido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de promover eventos para lembrar a data (assim como todos os órgãos do governo), um ano atrás foi diferente.
Em 2023, sem a proibição, a pasta liderada por Silvio Almeida lançou, às vésperas do aniversário do golpe, a campanha “Semana do Nunca Mais Memória Restaurada, Democracia Viva” com ações para repudiar ditaduras.
O MDH inclusive lançou um selo alusivo à iniciativa.
Em um vídeo, um recém-empossado Silvio Almeida se referiu à ditadura militar 1964-1985 como “essa página nefasta de nossas histórias [que] não deve ser esquecida para que nunca mais se repita”. “O Brasil ainda possui dificuldades no campo sociopolítico para ultrapassar essa página drástica de nossas vidas, que, vez por outra, parece querer ameaçar nossas liberdades.”
Ele e Nilmário Miranda, chefe da Assessoria Especial de Defesa da Democracia e História e da Verdade do ministério, participaram de atos organizados pela sociedade civil para rememorar a data.
Num discurso ao final da Caminhada do Silêncio, em São Paulo, o ministro afirmou que é possível traçar uma linha contínua entre os colonialismos, o nazifascismo e as ditaduras da América Latina.
“As técnicas de tortura, de sevícias, de violência têm uma ligação direta que faz com que escravidão, nazifascismo e ditaduras militares sejam parte do mesmo evento”, afirmou Almeida.
Citando o pensador alemão Walter Benjamin (1892-1940) em uma das “Teses sobre o Conceito de História” (a sexta), disse o ministro: “O passado tem que ser parte de um processo de construção, para que nós nos lembremos da urgência do passado, dos perigos que o passado encerra, para que possamos de alguma forma fazer com que as reminiscências nos liguem a propósitos de esperança e de construção de um novo mundo”.
E completou: “Se os nossos inimigos vencerem, nem os mortos estarão a salvo”.
São ideias que se chocam de frente com o que defendeu Lula recentemente, ao dizer que a ditadura “faz parte da história”.
“Não vou ficar remoendo e eu vou tentar tocar esse país para frente”, afirmou o presidente, que desde então tem sido criticado por entidades de direitos humanos, familiares de mortos e desaparecidos políticos e até integrantes do governo, como a presidente da Comissão de Anistia, Enéa de Stutz e Almeida o colegiado é subordinado ao MDH.
Neste ano, o veto imposto por Lula obrigou o ministério a cancelar um ato já programado.
Ainda no discurso após a Caminhada do Silêncio, Silvio Almeida mencionou a violência urbana e mortes na periferia como uma das heranças da ditadura. Disse que seu objetivo era fazer com que direitos humanos passem a ser uma política de Estado, não uma política de governo.
E arrematou: “Os quatro anos que nos antecederam são resultado de um país que não consegue lidar com os seus traumas. Nós precisamos lidar com esse trauma, precisamos falar disso o tempo todo e construir políticas para que isso seja lembrado, para que a verdade apareça e que possamos fazer justiça em relação aos nossos mortos”.
Fabio Victor / Folhapress