Reverter a deterioração das instituições políticas e econômicas do Brasil, promovida pelos Poderes Executivo e Legislativo nos últimos anos, é vista como um dos principais desafios para o próximo presidente da República para que o país volte a crescer de forma sustentável.
A Folha questionou analistas sobre as três prioridades na área econômica para o próximo mandato presidencial. As respostas mostram que é necessário ir além das reformas que aumentam a eficiência do gasto público e a competitividade do setor privado, pauta que se destacou na eleição passada.
Os ataques à democracia e as constantes mudanças feitas na Constituição a toque de caixa abalam a confiança dos agentes econômicos, afirmam os entrevistados, além de afastar investimentos.
Para além da opinião individual dos economistas, essa percepção se reflete atualmente no aumento do risco país, das taxas de juros de longo prazo e no câmbio.
Há dúvidas, no entanto, sobre a possibilidade de o país eleger um presidente e um Congresso capazes de avançar na reconstrução do arcabouço institucional do país, em um momento em que o presidente da República, segundo colocado nas pesquisas eleitorais, afirma que pode desrespeitar o resultado das urnas.
“O que precisaria ser consertado de pronto por quem tiver no comando do país a partir de janeiro é o nosso arcabouço institucional”, afirma José Júlio Senna, chefe do centro de estudos monetários do FGV Ibre e ex-diretor do Banco Central.
“Isso envolve as questões ligadas ao nosso sistema político, à nossa democracia, às questões fiscais e ao comportamento dos governantes. Não me refiro só ao Executivo, também ao Legislativo. As atividades econômicas dependem fundamentalmente de confiança no futuro.”
Senna destaca as frequentes mudanças na Constituição para aumentar os gastos no ano eleitoral e também os ataques ao sistema democrático, fatores que trazem insegurança jurídica e desconfiança ao setor privado.
André Biancarelli, diretor do Instituto de Economia da Unicamp, afirma que a volta à normalidade institucional é o passo inicial, um desafio para além da economia, sem o qual o Brasil não vai avançar nas questões propriamente econômicas.
“O país precisa de um esforço concentrado de reconstrução institucional e civilizatória”, afirma Biancarelli. “O Brasil não vive, faz tempo, tempos normais do ponto de vista de como se organiza a sociedade, as relações jurídicas, a política e as relações econômicas.”
Biancarelli também coloca entre as prioridades a reconstrução das regras fiscais, outro ponto destacado por vários analistas, embora não haja consenso sobre quais seriam as mais adequadas para o momento atual de restrições orçamentárias. Ele, por exemplo, defende a substituição do teto de gastos e o fim de mecanismos como o orçamento secreto.
Silvio Campos Neto, economista e sócio da Tendências Consultoria, vê a reconstrução dos pilares fiscais como uma prioridade, ao lado das reformas administrativa e tributária.
Para ele, o país precisa transmitir uma mensagem de austeridade, disciplina, com regras rígidas e críveis, para voltar a uma situação de juros mais baixos, como ocorreu logo após a aprovação do teto de gastos no governo Michel Temer (2016-2018).
Campos Neto afirma ver baixa probabilidade de que esse cenário se concretize, considerando os candidatos que lideram as pesquisas eleitorais.
“É possível, mas depende de um governo que acredite nessa agenda e tenha capacidade política de implementá-la”, afirma. “É um cenário otimista acreditar que realmente essas três agendas sejam tocadas, seja qual for o governo, entre as hipóteses mais consideradas.”
Embora reconheçam a dificuldade em implementar tais medidas, os analistas veem a reforma das regras fiscais como inevitável —a questão já foi até citada em documento pela candidatura Lula.
A reforma tributária, que avançou no Congresso a partir das propostas apresentadas por governo e parlamentares desde 2019, também é apontada como mais madura, enquanto a administrativa é vista como mais difícil.
“A reforma tributária é uma demanda que já vem de tempos, é uma reivindicação forte de parte do empresariado. Em determinado momento, o governo vai ter de mexer nisso, mas vai depender também da característica do Legislativo que vai ser eleito”, afirma Otto Nogami, professor de pós-graduação e educação executiva do Insper.
Margarida Gutierrez, economista e professora do Coppead/UFRJ, afirma que, sem resolver a questão fiscal, o novo presidente não conseguirá fazer o país crescer, e que o país também precisa avançar na agenda de produtividade da economia, com prioridade nas reformas tributária e administrativa.
Ela destaca que nenhum dos pré-candidatos mais bem colocados nas pesquisas tem um programa de governo que vá nesse sentido e que corre-se o risco de que, daqui quatro anos, as mesmas discussões se repitam.
“A questão fiscal é inevitável. Sem ela a gente não chega a lugar nenhum. O país não vai crescer com o desarranjo fiscal que a gente tem hoje.”
Eduardo Cucolo / Folha de São Paulo