sexta-feira, outubro 11, 2024

Amor e ódio marcam clima eleitoral em cidades de Lula e Bolsonaro

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“Aqui é Bolsonaro!”, grita um homem ao passar pela feira livre de Garanhuns e ver eleitores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) explicando seu voto e criticando Jair Bolsonaro (PL).

Na terra natal do ex-presidente, a Folha ouviu defesas acaloradas do petista e reações de bolsonaristas, que, além de fazer campanha para o atual chefe do Executivo, replicam suas alegações falsas sobre urnas eletrônicas, relativizam falas e atitudes do mandatário e atacam a imprensa.

O cenário é parecido com o de Eldorado, município paulista onde Bolsonaro passou a juventude e onde a cisão do eleitorado se mostra mais acentuada do que em Garanhuns. A tendência pró-Lula é significativa na localidade do Vale do Ribeira, mas divide espaço com apoiadores do lado oposto.

A Folha acompanha em uma série de reportagens o clima da corrida presidencial nas duas cidades, que tiveram importância na trajetória pessoal dos dois líderes políticos e impactaram a atuação de ambos na vida pública. Sentimentos de ódio e paixão atrelados a eles reverberam entre os conterrâneos.

“Se a gente tiver desconfiança, evidências e prova de que houve fraude, vamos ter que tomar atitudes e ações”, afirma Thiago Paes (PL), 37, vereador bolsonarista em Garanhuns. “Ninguém vai aceitar tomada de poder na fraude”, acrescenta ele, frisando não confiar no sistema eleitoral que o elegeu.

O receio de que Bolsonaro tente um golpe em caso de derrota é o que leva Zito Silva, 66, a apoiar Lula —que marcou 47% na mais recente pesquisa Datafolha, ante 29% do rival.

“Na última eleição, não votei, justifiquei. Não quis votar. Agora vou votar em Lula”, diz Silva. Enquanto faz compras na feira, ele relata o temor de que, se perder, Bolsonaro imite Donald Trump. “Mas ele não consegue [dar golpe].”

Primo do ex-presidente na cidade do agreste pernambucano, o aposentado Eraldo Santos, 67, repete o discurso petista de que evitar a reeleição de Bolsonaro é assegurar as bases democráticas no país.

“Considero que vivemos numa ditadura disfarçada. O mandatário foi eleito pelo voto, mas os sintomas todos são de ditadura. [Meu voto] tem o sentido de resgatar a democracia e devolver o país ao povo.”

Do outro lado, a base fiel de Bolsonaro ecoa as narrativas do mandatário, e as bandeiras ideológicas conservadoras são citadas como razão para o apoio a ele.

“Se Bolsonaro se reeleger, teremos escola cívico-militar e outros benefícios em Garanhuns”, diz a autônoma Dirlen Lopes, 41, que é evangélica e afirma crer na vitória do candidato do PL no primeiro turno.

Já para os lulistas, as razões para dar ao ex-presidente um terceiro mandato giram em torno da economia. Programas sociais da era petista, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, são aplaudidos.

“A principal necessidade da região de Garanhuns é econômica. Precisamos de um desenvolvimento sustentável”, afirma o vice-prefeito Pedro Velôso (PT), 57, que é médico e atua em hospitais da cidade.

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Em julho, um outdoor na entrada do município com a foto de Bolsonaro saudava os turistas que chegavam para o Festival de Inverno de Garanhuns. Em contraste, artistas como Vanessa da Mata, Pitty e Nando Reis incentivaram, no palco do evento, coros a favor de Lula.

Garanhuns e Eldorado se assemelham no cenário típico interiorano, com prefeitura, igreja e lojas ao redor de um ponto central, e coincidem também na resistência de bolsonaristas em dar entrevista. Alegações infundadas de que a mídia é sustentada pelo PT e defende a esquerda são mencionadas.

Na cidade onde Bolsonaro viveu dos 11 aos 18 anos, um produtor de banana apontado como um grande mobilizador da campanha presidencial na região chegou a marcar uma conversa com a reportagem, mas desistiu de falar ao chegar ao local combinado. Disse que não iria “dar esse ibope” para a Folha.

Antes, em privado, ele contou que votou em Lula em 2006, mas depois se converteu à direita. Afirmou que o atual governo sufocou o comunismo, que “estava em toda parte”, e elogiou o presidente por, segundo ele, dar condições favoráveis aos empresários, com menos obrigações para contratar.

“O Lula, se você procurar na internet, não acha nada de bom. É só corrupção, mensalão, petrolão”, afirma Rodolfo Cesar Mariano, 42, servidor municipal da área da saúde e também empresário. Sua esposa grava com o celular toda a conversa dele com a reportagem.

Já sob Bolsonaro, de acordo com o apoiador, “a economia cresceu mesmo durante a pandemia”. Mariano, que conheceu o presidente em Eldorado, diz que indicadores negativos não são culpa do atual chefe do Planalto, mas “dos governadores que falaram ‘fique em casa e a economia a gente vê depois’”.

“O Lula não tem condição”, afirma a gari Narcisa dos Santos, 68, bolsonarista que conheceu a família Bolsonaro na juventude. “Peço muito a Deus que ele [Lula] não ganhe e não tenha fraude nas urnas, porque se tiver vai dar uma guerra no Brasil. Os militares não vão deixar barato.”

Assim como outros simpatizantes do presidente, ela diz se informar por redes sociais e influenciadores de direita. “Não confio [nas urnas]. Não acredito em pesquisa [eleitoral]. Não assisto à Globo”, diz Narcisa.

As falas são praticamente as mesmas dos vizinhos bolsonaristas. Os inimigos também: Supremo Tribunal Federal, Tribunal Superior Eleitoral, urnas eletrônicas, MST, esquerda, mídia —e, claro, PT.

“O pensamento bolsonarista é reflexo de um pensamento forte em alguns pontos do município. Essa visão racista, machista, essa falta de entendimento do que é comunismo. E é um discurso de muito ódio”, afirma a ambientalista Ivy Wiens, 44, que é filiada ao PT e concorreu ao cargo de vice-prefeita pelo PV em 2020.

Os que “idolatram Bolsonaro”, segundo ela, são “principalmente bananicultores”, líderes do maior setor econômico local. Mas o apoio vem “dos donos [das plantações], não dos funcionários deles”, diz a petista. “Aposto que Lula ganha aqui em Eldorado.”

De sua casa, às margens do rio Ribeira de Iguape, Ivy costuma ouvir berros de “mito” e “Bolsonaro 2022”.

Os gritos vêm em resposta aos cartazes que pregou na fachada. Um deles chama Bolsonaro de “genocida, racista e corrupto”; outro pede “basta de destruição!”. Há ainda uma placa com o nome de Marielle Franco, vereadora do PSOL assassinada no Rio de Janeiro.

Na vizinhança é mais fácil ver penduradas bandeiras do Brasil, em geral um sinal de apoio ao presidente.

“Os bananicultores e os agricultores apoiam Bolsonaro”, diz uma placa na entrada da cidade, em que os autores se dizem “fechados” com ele: “Por Deus, por nossas famílias, por quem produz”. O painel, com uma foto do mandatário sorrindo, refere-se a ele como “filho da terra”.

Moradora de uma das 13 comunidades quilombolas do entorno, redutos de eleitores de Lula, a professora Viviane Marinho Luiz, 47, fica indignada ao ver associações do tipo. “Não estamos na ‘terra dele’. Nós [é que] somos da terra. A terra é algo tão sagrado, e ele não tem essa sacralidade.”

Para Viviane, a prova disso é “tudo o que ele tem destruído” com suas políticas para o ambiente. “Os quilombolas sempre amaram esse lugar, antes do Bolsonaro.”

 

José Matheus Santos e Joelmir Tavares/Folhapress

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